Cristiane Neder
Assim como os americanos têm o blues e o jazz e o baiseboll, os ingleses o rugby, nós temos futebol e carnaval. É formação cultural e não alienação.
Grande preconceito aqui no Brasil é dizer que intelectual não possa gostar de time de futebol e de escola de samba, como se fosse reduzir sua maneira de pensar e a sua formação cultural. Pelo contrário, isto tenderia a enriquecer a qualidade e quantidade das informações, tornando-os apreciadores da nossa própria cultura e não colaborando com o seu esvaziamento.
Não acredito na afirmação de que as novas tecnologias de comunicação trarão mais qualidade de vida e igualdade para as classes sociais, maior participação política ou melhor cobertura democrática; pelo
contrário, creio que as novas tecnologias de comunicação estão muito ligadas
à questão econômica – financeira , e de que toda informação é paga, se não
por via direta da técnica e dos meios, por via indireta do saber para se ter,
entender e criticar.
Não acredito que as novas tecnologias possam mudar nossa realidade social. Nos países subdesenvolvidos ainda há doenças infantis que nos desenvolvidos já foram eliminadas, e um alto índice de mortalidade
infantil. Então, como acreditar que vamos nos modernizar e ter uma sociedade mais justa por meio das tecnologias de comunicação, se não conseguimos nem sequer através de livros, revistas e jornais formar uma nova geração?
A infinita variedade dos meios de comunicação é redundante e não propicia o avanço da sociedade para direção alguma; sua influência é sinérgica, é corrompida pela obrigatoriedade de se ter altos índices de
audiência e publicidade.
Há escolas no Nordeste que não podem instalar um televisor sequer porque não há luz elétrica. Portanto, ter condições de obter
informação e de ser socialmente desenvolvido está ligado à distribuição de renda e não somente ao fato de obter tecnologia de ponta e aparelhos sofisticados de comunicação.
O país não se torna desenvolvido somente por uma questão de equipamentos eletrônicos e máquinas tecnológicas avançadas. Seria como pensar que o ensino da USP depende da cor do chão e das janelas para ser transmitido, ou da quantidade de frascos que o laboratório de química ou física possam ter.
O terceiro mundo chega a receber as sobras dos países do primeiro mundo, como televisões educativas a cabo que priorizam programações que levem cultura e saber à todos mas que, por ser a cabo
favorece que o conhecimento se acumule novamente nas mãos de poucos e
faz com que o poder da informação esteja atrelado ao poder econômico.
Como acontecia durante a revolução industrial, quando não se podiam importar máquinas junto com mão de obras, hoje não se pode importar computadores juntamente com habilidade, criatividade, desenvolvimento cultural e conhecimento acumulado em milhares de anos: o êxodo desta vez não é somente do rural para o urbano, mas da inteligência dita emocional que sabe conjugar diversas habilidades motoras, sensitivas e criativas num lugar
comum de vivência empírica. Portanto não adianta importarmos toda uma variedade de máquinas para aprendermos algo, se a semente da inteligência emocional não estiver preparada para dar frutos. Podemos colocar uma televisão educativa numa favela, mas isso não terá muito sentido se as pessoas não tiverem motivações em suas vidas para assistirem a televisão
educativa.
Agora, os telespectadores das tevês a cabo podem se isolar de assistir aos problemas sociais do seu país para “estrangeirizar” sua desgraça política com as de outras nações. O vulcão do Japão, tanto quanto o caso Monica Lewinsky e Bill Clinton, podem ser mais um caso social nosso do que
dos outros, e o nosso analfabetismo e nossa desnutrição infantil podem ser
mais fatos sociais dos outros do que de nós mesmos.
Quando divulgados os fatos de repercussão nacional os mesmos são mostrados de forma pasteurizada, com informações ao gosto do olhar estrangeiro, ou seja, passa-se um pano nos dados relevantes, de modo que suas fontes nacionais sejam manipuladas de fora; sofremos portanto, hoje, a ditadura e a censura do capital estrangeiro.
Na televisão por assinatura não se pode dizer que tudo é diferente pois, embora haja maior variedade de programações, ela é copiada
a partir de um modelo conhecido da televisão comercial.
A televisão a cabo é hoje um cadáver perfumado da televisão comercial de ontem. Os programas da tevê convencional com a nova à cabo se misturam, e o que se copia não é só a programação com perfumaria, mas a forma de elaborar o conteúdo da caixa ideológica da programação, como a maquiagem também. Temos programas tão ruins na televisão a cabo hoje quanto tínhamos na tevê comum ontem.
É como se a televisão convencional fosse uma loja popular, e os
canais fechados, a cabo, as boutiques de comunicação, como as dos “shopping centers”: em ambos os lugares há mercadorias para vender e vitrina para seduzir. A diferença está no público que atende, a marca (emissora, canal) e a forma de transmitir seu marketing
(entretenimento/vitrina).
O que se chama de “brega” ou “cafona” em um meio de comunicação, politicamente poderia ser traduzido por “gosto popular”. O
“gosto popular”, nesses casos mediáticos, é formado pelo vazio que se forma na esfera social por falta de propostas políticas com comprometimento de modernidade cultural. Esse tal “gosto popular”, portanto, é definido pelo mercado e não pelo povo em si.
Um traço importante que caracteriza o crescimento tecnológico dos meios de comunicação é a sua aceleração simultânea nos três grandes centros da área capitalista e dos “quatro dragões da Ásia”. Cabe ainda destacar o brusco aumento do comércio internacional. Os Estados Unidos, país produtor da maior quantidade de programas de entretenimento, diversão e cultura na mídia, é o mesmo que, com o desenvolvimento nos últimos anos, baseou-se na estabilidade da demanda na esfera do consumo.
Com a globalização da economia, a cultura da humanidade sofreu um drástico empobrecimento, monitorado pelos negócios das comunicações.
A linguagem dos meios desenvolvida em consonância com a lei de mercado não cria fugas ao processo circulatório do mercado. Pelo contrário, curva-se e se torna discípula ortodoxa dessa realidade manipulada
e atrativa da demanda na esfera do consumo.
O cidadão está sendo, cada dia mais, consumido por robôs, seja no trabalho ou em suas outras atividades, e os espaços públicos, como a rua e a própria cidade, vão sendo miniaturizados, substituídos por deliveries e
espaços de ruas, avenidas e empresas virtuais.
A cidadania vai sendo sufocada e colocada em software, e já há duas categorias de seres humanos: os digitais e tecnológicos e os que não se preocupam tanto com a nova
realidade, boa ou ruim.
Na Espanha, por exemplo, já há um grupo de periodistas (jornalistas) digitais, que têm uma organização de trabalho diferente daquela dos jornalistas de meios impressos. Os jornalistas digitais não são uma categoria que digita, que trabalha com computador simplesmente, porque isso
os jornalistas de meios impressos também podem fazer, mas uma categoria
que só publica matérias e artigos em meios de comunicação virtuais. Seria
melhor chamá-los de periodistas virtuais, mas por algum motivo escolheram o
nome “digitais”. Eles podem ser contactados pelo e - mail:
gpd@aleph.pangea.org.
Pensamos em categorias de seres humanos diferentes, não biologicamente, mas profissionalmente, e quando as avaliamos em nível profissional, a questão política imediatamente aparece. Um grupo de profissionais digitais dá origem a outros. E este é o primeiro passo para que
haja sindicatos virtuais, para atender a empregados virtuais.
As noções de cidadania e de ser humano ficam confusas com a influência dessas novas tecnologias de comunicação, pois há uma vontade de que a máquina exerça a cidadania e de que o robô seja cidadão, coisas que,
politicamente, são impossíveis de acontecer.
O pensamento cartesiano, ao qual estamos arraigados e que diz respeito ao mundo das predicações, isto é, ao mundo dominado pelo poderio verbal, pelo pensamento linear subordinado e irremediavelmente estático e ao qual interessa uma história contada com princípio, meio e fim, é provavelmente o principal entrave para a compreensão do pensar analógico, porque esse diz respeito a um mundo em ação, a um mundo em que se conjuga no gerúndio, e ao qual dizem respeito as estruturas que acabam por
gerar significados.
No vazio da imagem, o olhar contemporâneo encontra um refúgio
para sua acomodação, um olhar repousa procurando exílio político, e na cor e
na sombra da imagem o ser humano se personifica como parte de um todo
planetário ao qual, na sua totalidade, ele não pertence somente em partes. As
novas tecnologias podem estar servindo mais como uma necessidade de
vaidade, mais como um acessório na vida cotidiana do ser humano do que
como parte essencial.