Cristiane Neder
Não estamos mais escolhendo grandes líderes ou estadistas por sua vida política, porque as novas tecnologias de comunicação acabaram com os estadistas, só fabricam políticos pela imagem, e fazem com que não enxerguemos quem são os políticos de carne e osso, mas os personagens políticos de ficção, como o “Caçador de Marajás” e o “Homem do Real”.
Muitos dos grandes líderes políticos foram fabricados pelos meios e suas imagens foram vendidas através da mídia ou assessoradas por ela.
Na Internet também não enxergamos os cidadãos reais, os seres humanos de verdade que estão atrás da máscara eletrônica.
Com o uso das novas tecnologias, o debate político não faz parte exclusivamente da vida pública, mas da privada.
O que há de novo, além do fato do homem projetar em si mesmo
a vontade de se comunicar com seu semelhante, desse sentimento do álter,
da busca do outro como elemento de complementação de si mesmo, de
compartilhar com o outro a sua forma de ser e estar no mundo? De falar de si
mesmo ao outro, usando gestos, palavras, códigos e até, quase de forma metafórica visual, de transpirar no computador?
O fato da revolução dos meios de comunicação vir precipitando no planeta uma sintonia entre países, só imaginada antes em obras de
literatura de ficção científica, não esclarece ou mostra que as prioridades
políticas do século XX são de ficção científica também, nem que a modificação na relação tempo-informação muda a relação desenvolvimento sociedade.
Apesar de algumas vezes gastarmos nosso tempo com uma série de descobertas e invenções que nem sempre resultam em inovações
positivas para o mundo, em outras ocasiões estas mesmas descobertas são reveladas a partir de fases negativas da humanidade, caracterizadas por guerras, chacinas, e outras barbaridades, provenientes da natureza humana.
Nos países de Terceiro Mundo se vê que cantores sertanejos e jogadores de futebol vão se tornando classes emergentes, enquanto professores estão cada dia mais pobres. Ilude-se o pai que acha que, comprando um computador para seu filho, está garantindo a ele um futuro melhor. As coisas não são tão simples assim, e esta é uma das tantas questões do porque a política é fundamental.
Há pessoas que consideram o povo brasileiro mal resolvido política e culturalmente pelo o fato de que aqui existe uma paixão nacional pelo
futebol e pelo carnaval, e que a vida política do povo brasileiro gira em torno da “temperatura” destes dois eventos sociais. É comum ouvir que o futebol e o carnaval são o ópio do povo, e que razão do povo ser ignorante está nessas duas raízes culturais.
Quando o país esteve mergulhado em um período de massacre social
como o da ditadura, podemos indagar porque se correu coletivamente para
processos de catarse. Acredito ser este um fenômeno relacionado à Internet de
hoje. A Internet é a catarse do momento, como o futebol foi na década de 70, e como o LSD foi na década de 60, bem como a ideologia do paz e amor.
Se pensarmos nos fenômenos da bossa-nova, do movimento hippie, da jovem-guarda, tudo poderia ser visto como desabafos coletivos. Até os movimentos darks e punks na década de 80 na Inglaterra nos ajudam a diagnosticar que, quanto mais a sociedade se encontra reprimida, mais ela parte para os processos de catarse.
Foi no auge do tacherismo que os darks e punks nasceram. As
pessoas fogem da realidade porque a realidade não dá segurança e conforto
às pessoas. Nem sempre elas são manipuladas ou alienadas; muitas vezes guardam seus problemas na memória, como se fosse uma gaveta trancada onde os mesmos se armazenam. Elas podem autoalienarem - se ou estarem
predispostas a serem alienadas, segundo a vontade dos meios de
comunicação, do sistema ou do governo.
Mesmo conhecendo inconscientemente o que é real e o que não é, preferem a irrealidade, por ser mais cômoda e menos traumatizante para elas.
Seria desejável que estudos futuros analisassem algumas semelhanças entre os jogos lotéricos e a Internet, porque o próprio processo dos sorteios seria alienante, e o próprio ato de jogar seria uma catarse, com as pessoas apostando porque precisam sonhar com uma realidade que elas não
podem alcançar.
O pouco que a gente tem às vezes é muito para alguém.
Um dia deixei o troco de uma prestação que paguei na loja para o vendedor almoçar, porque escutei ele pedindo um vale e o supervisor respondendo que os vales dele já tinham acabado. Agora toda vez que o encontro na cidade ele lembra disto. Era pouco, mas para ele é uma lembrança para a vida toda. Apenas 12 reais, mas para ele era a consideração de alguém que nem seu nome sabia qual era.
A internet usa também este modelo - laboratório de sonhos das loterias. Na mesma vertente, questiono-me sobre a televisão e os meios de comunicação. As pessoas usam os meios porque elas querem se alienar.
Defendo a ideia de que o que leva a alienação coletiva de uma nação é o medo da exclusão de cada indivíduo que forma esta nação. Os meios de comunicação, como rádio, televisão, internet, ou de arte, como música, dança, cinema e o próprio esporte, como o futebol, são catarses. São
instrumentos que proporcionam algum prazer na vida. Não só no Brasil: hoje o futebol é paixão na Inglaterra, na Espanha e na Itália.
Em várias partes do mundo e por vários motivos as pessoas procuram entrar em processos de catarse, uma vez que os desenvolvimentos humanos, sociais e políticos não acompanharam o desenvolvimento técnico-científico. Por isto também temos tantos gurus contemporâneos e as pessoas
acreditam em fadas, em anjos, em duendes, porque o desenvolvimento técnico
e industrial não conseguiu tampar os buracos de ordem afetiva e emocional.
O ser humano se desenvolveu muito tecnologicamente e cientificamente, e pouco abriu-se para as questões da essência humana, do seu eu e do seu ego, descobriu menos sobre sua mente e seu comportamento psicológico do que sobre computadores, e quanto mais ele se aproxima do computador como seu alter-ego, mais seu espelho interior fica embaçado.
Lembremos, por exemplo, que a crise da Bolsa de Valores (1929) de Nova Iorque, não foi somente uma crise financeira, mas uma crise emocional mundial, como quando o governo Collor tirou o dinheiro da
poupança das pessoas no Brasil; foi uma crise emocional coletiva e nacional.
Teve gente morrendo mais do coração pela emoção do que pela falta do dinheiro propriamente dito.
Defendo que o povo brasileiro não é ignorante por gostar de futebol e carnaval, mas por outros motivos, pela falta de alfabetização, de
escolaridade, de respeito aos direitos humanos.
Os alemães cometeram a maior catarse alienatória da história. Quiseram eliminar as diferenças culturais pasteurizando o mundo numa raça só e numa cultura só. A globalização quer eliminar as diferenças aniquilando as comunidades que resistem a sua uniformização e os países periféricos pela falta de modernização tecnológica.
Várias pessoas como no fascismo vão ser excluídas do mercado. A “raça superior dos ricos” vai ficar mais rica e os dos pobres mais pobre,porque a globalização acumula o capital estrangeiro do mundo inteiro nos
países centrais e não no terceiro mundo.