Cássio Jônatas
poesia esquálida
pouco cálida
palavras frias
linhas vazias
sem eco:
eca!
poesia rota
que sai da rota
verso quente
inconsequente
que arrouba:
oba!
VISTA
amor à vista
dor
a prazo
em vista disso
invista
em si
revista-se
sem perder
de vista
a vista
que habita
em ti.
SOLITUDE
Meus dias parecem noite
Ninguém me enxerga
Ninguém me ouve
Ninguém me abraça
A terra não me rala
A chuva não me molha
O fogo não me queima
Perdi a fome de viver
Estou aos pedaços
Mas sigo me alimentando
Com pedaços de amor
Pingos de esperança
E pitadas de boas ações
E com meus passos mancos
Ando errante
Subo aquela mesma...
Escada abatida
Atravesso aquela mesma...
Rua aborrecida
Sou quase atropelado
Pelos zumbis desenfreados
Pelo stress que me rodeia
E quase não me enxergo
Quase não me ouço
Quase descanso em paz
Mas permaneço quase vivo
Dormindo quase acordado
Nos braços da solitude.
Você me toma
Eu te tomo:
Tomo conta
Tomo tapa
Tomo fora
Tomo dentro
Retomo...
Tomo atitude
Tomo fôlego
Tomo vento
Fico tomado
Tomo raiva
Tomo todas
Tomo tombo
Mas não tomo jeito.
ORDEM
Ordem cronológica
Desordem da vida
Lidar com o tempo
O vento e a lida
Ordem camuflada
Batalha política
Presunção leviana
Ordem paralítica
Ordem econômica
Desordem estabelecida
Subida que é descida
Descida que é subida
Efeito controverso:
Ordem e regresso!
Defeito em versos:
Desordem e progresso!
Poesia extraordinária
Abraço e heresia
Desordem organizada
Veneno que alicia
Às ordens do amor
Corpos se sorvem
Mordem e assopram
Seu desejo é uma desordem!
EU ALUNO
Minhas palavras
soletradas
espremem-se
sem valor
Minhas frases
solapadas
exprimem
minha dor
Minhas sílabas
apartadas
gritam
sem razão
Meus versos
apertados
derramam
emoção
Não conte comigo
nem me cante
com sua voz
harmônica
Pois conheço
muito bem
a minha
tônica
Não me dê
uma resposta
nem uma
definição
Eu sou
contraponto
sou ponto
de interrogação
Não ouse apagar
minha falhas
nem rasurar
minhas folhas
Meus traços
e laços
são raízes
e escolhas
Não me denote
nem me dê nota
não me venha
com avaliação
Minha lição
é infinita
está escrita
no coração.
Em janeiro ou agosto
Esquecido ou exposto
Derrotado, indisposto
Já no fundo do poço
Sonegando o imposto
Com um sorriso no rosto
Viva com gosto!
Não morra de desgosto.
CONSUMISMO
Pobre mundo consumista, de indivíduos sadistas, que para lucrar, escravizam! E tornam-se escravos do próprio modo de vida, dos fetiches que preenchem seus egos. Cegos, só enxergam o próprio nariz empinado. E nada fazem para alimentar o nada. E nadam, nadam... esperançosos nesse nesse mar de ilusão. Constroem a riqueza em detrimento à miséria dos restos do mundo. Aqueles com sorrisos indigestos, que mendigam, que assaltam, que roubam, que matam e comem os restos. Aqueles atados a um gene maldito que os trouxeram ao mundo, que nasceram chorando lágrimas e vivem chorando sangue. E não têm escolha, colhem aquilo que não plantaram, afinal não têm o que plantar.
A contraposição é infinda. Enquanto uns desfilam de carro e regam-se com vinho importado, outros desmiolados mendigam miolos de pão. Em vãs lutas que não mudam o mundo, mas preponderantes para a sua sobrevivência. E isto é o que lhes resta, já que não sabem o que é viver. Sem ter acesso à educação que possibilite alcançar a tão sonhada riqueza vendida na tv, nos jornais, nos outdoors etc, os injustiçados fazem a justiça com as próprias mãos. Com a frieza que lhes foi herdada, que lhes foi transmitida. Sentidos, esquálidos... buscam um sentido para a vida, querem ser alguém, ter a roupa do artista famoso, o relógio da propaganda. Querem esquecer as marcas do seu passado inglório e usar a marca que o valoriza, que o torna gente, que o torna visível.
Mas tudo é tão irrisível... Assim como os "burgueses", os ingênuos "proletários" compram ilusão, pensam estar no paraíso e acham que fugiram do inferno. Só acham, pois o fogo continua ardendo e queimando muitas vidas. Pois é assim que funciona o sistema, uns morrem de fome, outros morrem assassinados. É a sina, não há escolha! São idas e vindas, sepultamentos e nascimentos, que não mudarão esse calabouço habitado por um mar de chamas quase apagadas. Esse mar dos ricos pobres e pobres ricos, dos sôfregos e sofridos arremedos. Todos afogados em medos e trancafiados numa janela, onde o raio de luz não traspassa e o pensar é prensado.
DISFORME
Sou desproporcional
E mesmo que te incomode
Não me reforme
Sou disforme disforme disforme disforme disforme disforme
Eu saio da linha
E mesmo havendo rasura
Não me contorne
Sou disforme disforme disforme disforme
Respeite minha assimetria
E minhas linhas desconcertantes
Não ando nos conformes
Sou disforme disforme disforme disforme disforme disforme disforme disforme
Eu vagueio ao acaso
E se houver direção certa
Não me informe
Sou disforme disforme disforme disforme disforme
disforme disforme disforme
disforme disforme disforme disforme
disforme
disforme disforme disforme disforme disforme disforme disforme
disforme disforme
disforme disforme disforme
disforme
disforme disforme disforme disforme disforme.