Carolina Pires
Póstumo rubro caústico.
Sair da base, bater as asas, quebrar as estruturas. Isso que farei. Desafinarei o piano e arrebentarei as cordas do meu bom e velho violoncelo. Não agüento mais a monotonia de nossas vidas, as reuniões de família em pleno alvorecer, ter de jantar com vários homens que nem conheço sendo apresentada em casamento só porque eles são bem sucedidos. Cansei do chá das cinco, de cuidar dos meus irmãos. Gostaria de exceder minhas fronteiras, esvaecer. Pular do nosso século dezenove diretamente para o século vinte e um, era da perdição. Lá eu viverei ao som de “Highway to hell – AC/DC”, a ilustre liberdade, meu livre-arbítrio. Tenho certeza que não há nada mais completo do que isso.
Enfim optarei com quem casar isso se o fizer. Desculpe-me desde então se isso ferir seu orgulho papai, mas apreciarei vários homens, sairei com eles, beijá-los-ei e irei pra cama com todos. Pagarei minhas dívidas com o corpo, viverei da minha tez e minhas pernas nunca impedirão miúdos varões de deleitarem-se do meu néctar, do meu mel. Não serei mais forçada a ir aos saraus da cidade, tendo que voltar “tarde” pra casa, às dez horas da noite. Sairei de casa nesse horário e chegarei ao amanhecer seguido de um nascer do sol sendo levada no colo após uns grandes tragos de rum e várias doses de merlot.
Tomarei pílulas anticoncepcionais e usarei a nova invenção contraceptiva, chamada camisinha, para não cometer a ousadia de ter uma família com sete componentes, feito a nossa. O custo de vida médio de lá é muito baixo e fica difícil existir muitas famílias com mais de três filhos. Por fim, em uma de minhas futuras saídas pela madrugada afora, sofrerei meu primeiro porre, esquecerei das pílulas, da camisinha, logo engravidarei de um desconhecido aos meus quinze anos de idade. “Au revoir.”
Strawberry Fields Forever.
E era impossível colocar um ponto final em uma história que nem sequer obteve vírgulas.
ahhh o amor!
Suspiros.
E ele se foi, deixando em mim apenas saudades e a incapacidade de aproveitar mais do que deveria.
Seria ironia de minha parte dizer que tudo percorre minhas veias como fluidos cristalinos. Tudo dói, tudo pulsa e tudo dói.
E eu me sinto tão... tão... ahhh!
Um vazio aloja-se em meu ventre.
A droga do adeus.
O tempo passa, fazem-se os planos e a cada segundo eles tornam-se mais palpáveis, mas não cabe a você crer que um dia, aquilo que mais temia, seria capaz de incidir de fato. Ainda me recordo das brigas que terminavam às tapas e que tinham que ser apartadas por terceiras pessoas antes que nós arrancássemos os cabelos uma da outra, das minhas lágrimas soluçadas de tanto drama, eu, a mais nova, sempre atentando e a mais velha sempre levando a culpa, pra falar a verdade, ela sempre foi o meu maior entretenimento.
As malas tiveram de ser feitas, os livros encaixotados e eu ali ao lado me fazendo tolerar aquela situação toda como se fosse a mais comum, é, mas ao mesmo tempo não é. Aquela pessoa que sempre segui como modelo, que desde bebê eu queria fazer coisas iguais, o meu ideal, enfim seguiu seu rumo e no bom sentido, se é que existe, abandonou-me. Agora lágrimas infatigáveis percorrem as linhas do meu rosto, é a saudade batendo à porta. Quanta desventura.
Tantos anos brigando, não suportando ter de suportá-la e quando os dois lados da balança por fim entram em equilíbrio, quando surge um tamanho apego uma pela outra, dessa vez maior do que aquele remoto, existente, mas que não ostentávamos, dizíamos ser imperceptível e só o assumíamos na frente da família com um certo ar de sarcasmo, no fundo pensando “Droga! Pra que raios serve essa porcaria de amor fraternal?”, agora cai-me ao colo como uma pedra, das mais pesadas e eu não sei o que fazer com ela. Parece que na nossa cabeça era impraticável pensar que um dia diríamos aos outros que nos amávamos como irmãs. Ela continua sendo meu espelho.
Tardes brincando, inventando personagens, pagando micos que em público negávamos até a morte dizer que fazíamos o tal, como quase que um milagre, nós nos tornamos amigas a ponto de trocarmos certas confidências. Por mais que eu saiba que é o que ela sempre quis, que é o melhor pra ela, que é o sonho dela... Dói, não sei exemplificar o quanto, mas dói, até demais.
A hora de dizer adeus pareceu-me impraticável, agora calhou-me e mesmo assim, não consegui nem ao menos soletra-lo. A-D-E-U-S, simples assim, mas não deu.
- Tia Marina, quando eu crescer quero ser modelo pra desfilar as roupas que você desenhar pra mim. – Foi o que disse a nossa sobrinha Gabriela e eu, digo o mesmo, não precisamente com essas palavras, mas o desígnio é o mesmo, apenas seguir a linha tracejada que ela deixou pra mim. Ter a garra que ela teve, a deliberação, a persistência e a paciência. Como poucos, por confiar que podia, ela conseguiu e eu espero conseguir dar os mesmos passos, a profissão não será a mesma, mas o caminho a ser percorrido sim, eu sei que é o que ela quer pra mim, pois como ninguém ela sempre acreditou no meu melhor, por menor que seja, mas sempre o meu melhor.
Sempre presente nos meus bastidores, falando pelas minhas costas meus pontos fortes e o que desejava pra mim, como todo publicitário que se preze, sempre fazendo uma propaganda e tanto sobre mim. Agora foi um abraço, o sentir de uma lágrima dela cair sobre meu ombro e um soluçar apertado de ambas. Dei minhas felicitações, no abraço tentei passar toda a coragem e entusiasmo que se alojam no meu corpo e fui pega de surpresa por um “eu te amo”, com certeza o mais doloroso.
- Eu também.
Boa sorte na tua carreira, desejo que realizes todos os teus sonhos aí em São Paulo e que essa tua mudança traga sempre o melhor. Agora sim poderei sair pela rua dizendo a todos com todo o orgulho que sinto de ti: Eu amo minha irmã ESTILISTA.
Amo-te.
Malícia.
Ela disse:
- O que me faltava era tato. Era a despedida, logo ardi nos pecados da mais fria-quente madrugada. Os vidros embaçaram-se no contraste frio e quente onde nos encontrávamos, o gosto era intenso e eu só me fazia de não-querer o querê-lo dentro de mim naquele cubículo extremamente apertado onde nessa noite tornou-se aconchegante. Em minhas mãos ainda o sinto, nas suas costas arranhões vermelhos; minhas unhas. – E foi embora.
Olharíamos um pra cara do outro recusando-nos a manter uma relação um tanto quimérica. Emudeceríamos. Pensaríamos novamente - uma, duas, três, quatro vezes se precisasse - para juntos chegarmos a uma questionável conclusão:
- O que temos a perder com isso?
- Tudo.
Entregar-nos-íamos mais uma vez nessa literatura mal esboçada em rascunhos com pontilhados desalinhados, e depois negaríamos tudo de novo. Rasgaríamos a folha de rascunhos e sonharíamos juntos até que acabássemos com a tinta da caneta.
Compassos.
A cada segundo que se estendia mais eles atrelavam-se um ao outro e novamente tinham certeza de que ali ficariam; ele dela, ela dele; ininterruptamente.
Aqueles dois amantes desciam as escadas despindo-se, peça por peça. Experimentaram todos os vértices da casa e se manteram unicamente nas pré-liminares. Cobiça escorrendo poro a poro, pretensões irreprimíveis na ponta de cada garra e mais uma vez minutaram suas iniciais em ambos os dorsos.
- Que tal tomarmos um café, darmos uma volta no parque, ou irmos ao cinema...pelo resto de nossas vidas?
- Qual é o seu dilema dessa vez?
- Você.
- O que você tem a me dizer?
- Que estou apaixonado por ti e gostaria de saber se também me amas.
- Talvez.
... Por mais que minha maior vontade fosse jogar-me em meio aos seus braços deleitando-me no mais doce lirismo torto.
Amanheça e anoiteça.
Eu fui. Fui porque amanheci tarde e amanheci chorando. Chorei porque quando você me veio, já estava escurecendo e eu esperei. Esperei manhã, tarde, noite; quem sabe um dia...?! Não. Acabou. Você não numera mais o tamanho das minhas vestimentas, e por mais excêntrico que pareça eu cresci. Você? Você ficou aí, acanhado, crédulo. Virou as costas pro mundo enquanto eu abria os braços pra ele dizendo: "Vem cá meu bem. Pode vir que eu te darei do bom e do melhor. Vasto e não vão." Amor, tchau amor. Amor, você nunca contou com o tempo, eu contava, mas agora me desfiz dele. Amor, sua madrugada já passou e eu...perdi o meu relógio.
Alegorias.
O outono adentrou as janelas do meu quarto, e eu ali fiquei, congelada. Havia esquecido o casaco no momento em que em sua cama, começou a despir-me em parcelas, peça por peça. Casaco, calças, blusa, calcinhas e sutiãs de cores ofuscantes e por último despiu-me os sorrisos – dizia que eu sorria demais e naquele momento, além de composta, eu deveria transluzir uma fórmula um pouco mais vulgar que a habitual. – Logo fizemos de nós dois, juntos, num só.
Senti um frêmito gélido subir no dorso e escutei o crepitar das folhas secas despedaçando-se por baixo da sola dos meus pés também frios. As folhas representando uma atração fatal entre dois cadáveres abrasadores desnudos num chão frio, revelaram-me o inevitável: os corpos agora se encontravam frígidos demais.
Censurado.
Numa mescla de sensações, divide-se em olhos fechados sobre ineficaz. A hesitação e o gosto de seus apetites partilham-se em gotas de suor, apenas suor. Olhares, sorrisos, platéia, desdouro; sublime. Odor de fumo entranhado nas madeixas e a cobiça de roçar os lábios com aquele tortuoso, apenas para obter o clímax da cena; tabu, proibido.
Relógio.
O tempo esvaindo por entre meus, seus dedos. Sinto uma dor fatal de mim. Uma aversão total de mim. De ti. De nós. Meu perfume nas suas entrelinhas. Seu toque nos meus cabelos. Escorro passo a passo. Caio vírgula a vírgula. Morro ponto a ponto.
Mais que maos dadas.
Eu finjo sonegar muita coisa, mas o amor me conhece dos pés à cabeça; os lados, lábios, dedos, sentidos... Cada curva, cada toque; sabe do meu gosto, do meu cheiro, sabe de mim, por inteiro, pleno. Briga, diz que não, e volta.
- Não, eu não te quero. – Beija-me os lábios, diz que vai ficar, que não vai me perder, e eu sorrio ingênua caindo em seu jogo.
- Beijo-te, amor. – Beijo por esperar que seja o último dos primeiros, que ele sugue cada insegurança despejada dentro de mim por suas mãos meticulosas que me manipulam feito ventríloquos. Sinto-me vulnerável, isso não me faria bem, mas a culpa é toda dele por ser um artista assaz.
- Para você deve ser comum viver de amores em amores. – E eu contesto com receio – Você já me amou? – Permanece um silêncio e o nervosismo me toma conta. – Então você já me amou.
- Eu te amo.
Uma falha de entendimentos alastra-se em minha mente. Por que ele jamais se avigora para evidenciar tão nobre cálice? Suo frio, em gotas, e diluo-me nas mesmas. Não sei o que fazer.
Ele morde e sussurra em meus ouvidos, beija-me o pescoço, e eu fico ali, entorpecida, mas volta a contemplar meus olhos.
- E o que podemos fazer quanto a isso?
- Beije-me.
Quem sabe...
Pulsando perfura-me o íntimo como que tal adaga outrora posta em minhas próprias mãos frias. Eu o sentia próximo, corpo a corpo, mas de minhas mãos longe; no côncavo das mesmas não permanecia. Ele apenas feria-me o dorso e ali deixava sua marca, – mesmo sabendo que meu corpo era dele, insistia em minutar suas iniciais na minha pele - ali eu o reconhecia, mas era fora do meu alcance. Minhas madeixas já não mais na curva dos ombros, logo seu perfume se ausentava das minhas noites gélidas. Queria-o por perto, dormir abraçado e no calor do mês de fevereiro, transpirar o mesmo suor que meu amor, quiçá pelo próprio ar cáustico de verão, quiçá por junto a ele por em prática nossa literatura tão delineada há tempos atrás por versos meus.
Mulher. Marcas, suores, lençóis amarrotados, vestes ao chão, pele sensível e grande frisson. É tudo que eu tenho a dizer.
Sentir algo desocupado e ao mesmo tempo absorvente, - tipo aquele que se localiza entre as pernas tão feminis. - O vento me traz as folhas de outono na margem da vidraça pintada de vapor pelo embate do frio que faz lá fora com tal carcaça exalando calor aqui dentro. As pontas dos dedos congelados. Tantos adágios e nenhum debuxo que preste. – Ironia. - Acho que já se narrou muito sem nem ao menos ter posto em prática antes tanta literatura. Acabou que aquele corpo casto sumiu, mas ainda sente-se como tal. – Um signo, talvez. - Precisava sentir aquilo de novo, ter certeza que foi concretizado, fato consumado, e não apenas mais uma de muitas fantasias – de renda preta com pérolas entre os seios - O abrir do zíper de uma calça masculina. – E o sentir ansiedade daquele audaz com seu órgão genital, varão, vindo pra cima deste corpo já denegrido.
Amanheci feliz; tinha algo bom a acontecer. Não ocorreu o planejado. Uma espera de uma hora, um almoço a sós, um agarro, uma reclamação, uma consulta. Mais uma espera. Uma rosa vermelha mencionada e não recebida. Uma desesperança, várias lágrimas, um desengano, uma briga. Silêncio. O otorrinolaringologista disse que eu não estava bem e que ficaria melhor se deixasse de lado o meu emocional que tanto tem refletido em minhas tonsilas.
Passei na floricultura, escrevi um bilhete, comprei uma Gérbera Laranja. Cheguei em casa com a fina flor, fingi transbordar felicidade, - foi com certeza minha melhor performance - tranquei-me no quarto, olhei a flor e dei um sorriso para o espelho. Abri o envelope, peguei o cartão e li: "Feliz um ano ao meu lado". Depois contemplei a delicadeza e simplicidade daquele aglomerado de pétalas em minhas mãos; seu cabo estava cortado, não havia mais raiz e ela estava falecendo.
Tornei meus olhos para meu reflexo naquele grande vidro plano metalizado e percebi o quão patética fui, comprei um presente pra mim para quiçá dar um pouco de coloração naquele meu dia cinza.
Uma pétala caiu em frente aos meus pés. A flor chorava. Deitei na cama com o travesseiro entre as pernas, cobri-me com o edredom, fechei os olhos, dei um suspiro profundo e chorei junto com ela.
A cada dia que se passava menos o relógio alegrava-me com seus blefes supersticiosos dizendo que alguém pensava em mim, o que eu achava curioso, pois era de grande costume ver os ponteiros sempre colaborando com meu ingênuo poder de acreditar com muita fé que números iguais, lado a lado, no visor do dono do tempo, pudessem de verdade fazer um alguém parar um minuto do seu dia e pensar em mim e no que vivemos juntos. Eu sabia que era ele, alguma coisa me dizia isso e meu coração acelerava repentinamente.
Clarice Lispector é realmente a dona da razão. Incrível como seus escritos nos calham em mãos dizendo a coisa certa na hora mais precisa, sempre. É como se ela calculasse o que nos poderia acontecer em míseros fragmentos de segundo e que isso fosse para nos aprontar e fortalecer para o que estava a fim de advir de pior nos momentos mais importunos. As últimas palavras dela que li há uma semana avisaram-me e eu não quis acreditar. Tola. “Eu tenho um amor em minhas mãos que me escapa entre os dedos querendo que eu o recupere”. “O definível está me cansando um pouco.” E era isso, tudo estava altamente definível e não é bem assim que as coisas têm que ser. O amor tem que ser inesperado, admiravelmente abrasador, há tempos o que sentíamos não andava mais assim. Tinha como presumir cada passo, nada mais espantava e por capricho empurrávamos a relação juntos com a barriga somente por estarmos acomodados com o namoro. Frio, cavo, porém namoro.
Quando começou não havia como crer que aquilo perduraria mais do que o nosso primeiro beijo, mas as coisas foram caminhando, passo a passo, e acabou durando até demais. Demais porque eu o amava mais do que podia, vivia por ele e a cada dia olvidava que dentro disso tudo tinha certo mim que mais e mais eu deixava de lado. Não era mais saudável. Juntos passamos momentos maravilhosos, delirantes, inesquecíveis e aprendemos, crescemos. Eu não sabia que ele era capaz de fazer tanto por mim, e fez. O carinho que hoje, cá, tenho por ele não tem como regular, a importância, o respeito é grande demais e a ele só tenho a agradecer. Por mim ele fez uma coisa que há muito tempo eu tentava fazer e me sentia incapaz de. Não podia ter deixado isso ir tão longe, não fazia mais bem nem a mim, muito menos a ele que calado agüentou todas as minhas reclamações e fez com que existissem momentos magníficos ao seu lado que me fizessem esquecer de todos os problemas. Problemas tais que às vezes nem existiam, eu apenas criava para ter um pouco mais de zelo, pois com as brigas eu via o quão ele se importava em só fazer isso crescer, eu me sentia bem fazendo-o sofrer, inconscientemente. Acabou e dessa vez eu sei que não tem mais volta, o que é uma pena, pois eu podia ter feito melhor, eu sei disso.
Ele deve saber que eu o amei e o amo muito, que não vivi nada de tão absorvente e duradouro antes disso. Ter conhecido sua família, ter me apegado tanto a todos eles foi um dos passos mais importantes que demos, pelo menos pra mim. Fez parecer mais palpável, que aquilo tudo não era somente mais uma de minhas quimeras irrefreáveis. E eu ainda me recordo da primeira vez que ouvi eu te amos saírem por meio de seus lábios. Fico feliz por saber que mesmo após o fim eu consegui fazer ele me amar assim como eu o amava muito antes de compartilharmos suores, isso pra mim, de início, parecia-me impraticável. Ele foi e é a razão de muitas coisas que hoje me rodeiam. Ele despertou em mim uma vontade incontrolável de escrever, ele foi a grande causa do nascimento do meu blog. - Obrigada. – Ele me fez sonhar, planejar e me fez acreditar em cada vírgula que dão vida às minhas palavras avulsas.
Não há como resumir esse todo muito que vivemos. Não importa a quantidade de páginas e de vocábulos teatrais. Nada nunca delineará cada minuto ao lado desse grande homem que fez de mim mulher. Essa é apenas uma forma de evidenciar o meu orgulho por ter vivido isso, pra dizer o quão ele ainda me é importante e que eu não vou querer me manter longe dele, jamais. A amizade me seria muito formidável, ainda mais vinda de uma pessoa que tanto me instruiu.
Após chorar mil lágrimas desesperadas, e ouvir o derradeiro “não vou voltar atrás” vindo do telefone, eu engoli o pranto, vesti minha armadura e fiz de mim mulher forte. Cheguei ao quarto e me desfiz de cada folha, pétala, flor seca, tampa de garrafa, tudo que ele me entregava nos dias que passávamos juntos e que eu guardava em uma caixa com muito carinho obrigando-me a manter aquilo vivo até darmos o nosso último adeus. E se foi. Deletei mensagens, apaguei fotos, fiz de um tudo, mas ainda sinto um vazio. Acabou, pois era triste amanhecer sozinha sabendo que ele ainda estava anoitecendo. Nunca andamos ao mesmo compasso. – Infelizmente - O que me inquieta é que após tudo isso eu consegui adormecer, coisa que antes eu não faria. Dormi, e dormi muito bem. Parece que foi porque eu me senti mais leve em saber que agora ele está alforriado, livre para mais pra frente, quem sabe, encontrar uma outra flor que desabroche no mesmo tempo que ele. Foi bom enquanto durou e hoje eu posso dizer que por mais que durante essa história de amor tenhamos passado por muitas brigas e desalinhos, ele foi o melhor erro de toda minha vida.
Que renasçam os jardins! Que me venha a Babilônia! A ti pertenço, divino mundo permeado de mitologias patéticas nas quais me encaixo perfeitamente. Patético ser perverso simultaneamente submisso às doçuras e encantos vedados da carne humana, seja qual for, basta ser carne. Deliciar-me-ei do fel derramado pelas ruas onde passei, dali nascerão flores negras e meu nome estará lá, assinado. Os olhos cerrados e os braços abertos pro mundo – que me venha o que for de menos necessário, eu quero o fútil. As pessoas que por mim passaram... Ah! Passaram, elas sempre passam. “... E eu passarinho”. Abri as asas. Voei.
Com único chamado
Meu outrora amado
Fez-me descer rapidamente
De sorrisos escondidos
Um frio cortando a pele
Após abraços e abraços
Tomei sua orelha e um beijo ardente
Talvez em mim bata saudade
Disfarçar sei com ousadia
Nem Vinícius descreveria
Com seus versos de Moraes
Um tomar nos braços quentes
Com vontade tão voraz.
Amei-te surpreendido
Hoje mais ousados, há eras, unidos
Mas agora, logo agora, separados.
Nunca há de ouvir minhas preces
Inverno surge, tu esvaeces.
Um aroma entorpecente
Corpo a corpo, frente a frente
Ao meu pesar seu olhar mais franco
Minha pele negra sobre seu corpo branco.
As flores da invernia encobrem as ruas em rubro e rosa e nem sequer escuto mais o crepitar das folhas de outono. Eu te amei em ventos de maio, mas te odiei em cores de verão. Em primavera a pele desbotada te vestia tão mais desejável... Hoje é inverno e eu delicio outros doces, dos mais confeitados, aquele tipo que alimentam os olhos, engordam o corpo, mas não matam a sede da boca seca.
Um dicionário torna-se taciturno e estúpido quando posto ao lado de um silêncio de tantos significados em meio a sudoreses escorrendo pelas paredes nossas. Declaro ter cansado de amar, seja em primavera, verão, outono ou inverno; é desgaste físico e emocional, sabe? Fácil seria apenas uma troca de olhares, um sinal, uma cama de casal, – talvez nem disso precise - luzes apagadas e ponto, deixar que a fantasia tome conta de todo espaço. Não se precisa de letras, sílabas, palavras ou até mesmo frases, basta um puxão de cabelo, uma mordida na orelha que tudo estará dito. Não seríamos obrigadas a confiar em palavras de fregueses quaisquer, daquele tipo que fala, fala e nada exerce. O ato apenas, pode ser frio, mas é só de início e tenha certeza que ele é muito mais sólido, tangível, mais simples. Depois só nos resta alvorecer após compartilharmos uma cama, ou tapetes, ou um chão frio, e darmos adeus. Seria ortodoxo talvez, mas com certeza, muito mais saboroso, muito mais satírico.
Os últimos devaneios não me caberiam assim tão épicos líricos. A cada gota que me faço, desfaço-me em migalhas, aquelas quais espalhei pelo chão para saber o caminho de volta a casa, regressar não vem ao caso. De cretinices em cretinices aquelas quais diluo-me em prazeres impudicos fodidos e mentirosos de outrem, encontro-me cheia de más intenções e discursos vazios - a felicidade cheira a shampoo barato. Chamaria plenitude se vago não fosse o emaranhar das línguas de mesmo sabor e textura - sabe, não há atrito. Desconfio que só ele ame minhas insanidades e as aprove e desfrute como se fossem saborosas feito mel. - Não me julgues assim, não podes desejar-me tão apaixonada. - Estive a pensar nisso “minhas últimas utopias ainda me batem forte a cara” e quando menos percebi, estava a criar peixe nos olhos. Recordo que enquanto dormia eu desenhava palavras de amor invisíveis no corpo dele. Eu o tocava naquele espaço grandioso que era meu futuro na constelação de pintas de seu ombro. Mas ele não entendia os meus signos. E de repente eu não me basto, há tempos nos despedimos sem tom de fim. Faz alguma diferença eu tentar explicar? Preciso de mim, dele, de nós, não sei, preciso. De nós, aquele nós que nunca foi a gente. Eu, então, faço-me inverno, declaro-me Sibéria.