Carlos de Castro

151 - 175 do total de 392 pensamentos de Carlos de Castro

⁠O GALO

Cantava o galo rico
Na noite a dormir,
Toda ela em lençóis de linho.
Na mansão rica ainda fornicavam
Na adoração do falo
Que empratavam.
O rei cobridor bramia,
Como um gato feito galo.

O galo pobre, gemia,
Sem galo, na noite acordada
Na miséria dos lençóis do nada.
Na casa pobre,
Não havia fornicações,
Só falos murchos
E alguns estrebuchos.
Só gatos e gente que não come
Aos estalos no ar,
Aos murros,
Dando urros
Para afugentar a fome
De mais um dia.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 17-10-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠ A N D A

Anda comigo agora:
Mulher de chicote em riste.

Anda comigo agora:
Vaca senhora,
Que de mim te riste.

Anda comigo agora:
Cruel destino,
Que me torturas desde menino.

Olhai:
Vinde comigo agora,
No pouco que me resta
Nesta gesta
Pela curta estrada fora.

Andai:
Que lá ao fundo
Está o cutelo
Que há de decapitar
O imundo
Que fez chorar
Um poeta singelo.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 18-10-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠LINDA A PASTORA

Dos olhos amendoados, feiticeiros.
Vais por vales, encostas e serras
Linda pastora que no coração encerras
O mistério de quem nasce nos outeiros.

E entre bosques de carvalhos e pinheiros
Na magia dos suaves e ébrios cheiros,
Leva-me contigo, se quiseres
Mulher rainha entre todas as mulheres
E tem-me como ovelha do teu rebanho,
Que eu neste desassossego tamanho
Só quero quem me conduza à luz.

E se a tua solidão mansa me seduz,
Arranca-me deste sofrer tamanho;
Seremos dois a suportar a cruz
Do teu e do meu rebanho.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 19-10-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠Se o meu destino tivesse sido de luz e ouro, nunca eu poderia ter escrito aquilo que gravei na escuridão da pedra rija e negra do meu ser.

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

F A R TO

⁠De ter esperança em mim,
Fartei-me de ti.
Esperança de mim em ti,
Nem assim, porque sim.

Nunca mais acredito
Na bonança
De uma esperança
Feita rito
Que dizem, sem saber
Porque é a última a morrer,
Se calhar, num grito!

Como se eu não estivesse
E ao demais não parece
Farto,
Infarto,
De crer.

(Carlos De Castro, in Há um Livro Por Escrever, em 21-10-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠POETA PEREGRINO

Desce e sobe montes e vales,
Atravessa os mares e os rios
A seco, nos calores dos frios
Imune a todos os males.

Come pão das pedras na fome
Do horror dos tempos tardios,
Presentes futuros vazios
Sem dó sequer do seu nome.

Espetro negro, terço de reza
Nas estradas de um destino
Que os deuses, em pequenino
Lhe traçaram com dureza.

Deixem-no ir na correnteza
Das tempestades da vida,
Um poeta peregrino
Mesmo todo pequenino,
É gigante na pureza.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 24-10-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠VALHA-ME DEUS

Valha-me Deus, ó Cristo!
Se o és junto com o Pai Eterno,
Livra-me deste queimoso inferno
Em que me meteram malquisto.

Se és o Senhor da Verdade
Vida, Luz que ilumina,
Tira-me este peso de cima,
Esta brasa que em mim arde.

Duas pernas de escultura
Abertas em ângulo profundo,
Perdição dos homens do mundo
Adão e Eva na loucura.

Valha-me Deus!
Deus Cristo, me valha
Nesta oração tão canalha,
Triste súplica dos plebeus.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 25-10-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

NÃO QUEIRAM

⁠Ó corjas, fazedoras de monstros alados,
Não vos aturarei por mais que queira.
Que prazer tenho em ser queimado na fogueira
Das vossas achas de prazeres fisgados?

Cansei-me. É a hora de vos dizer, safados:
Que vos anima à tarefa vil, abjeta
De tudo fazer para calar um poeta
Que canta sozinho na noite dos brados?

Enchei-vos de lama, gentes do cretino,
Tapai vossa vergonha com sarapilheiras,
Escondei a fronha no fétido das lixeiras,
Mas não queiram matar o poeta menino.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 26-10-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠O pouco que escrevo, são experiências de vida prática.
Prefiro-o, a extensas teorias amorfas que não passam do papel.

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠TRISTEZA INFINITA

Que triste este sol
Hoje, neste outono.
Vede como chora
Agora,
O vento cerol
Colado a mim como dono.

Que triste é ser tão tristonho,
Como árvore que dá flor
Sem amor,
No outono,
Fadada a não medrar.

Que angústia vai neste olhar
Nesta sempre tristeza minha,
Infinita,
Que mesmo amordaçada grita
Pela liberdade de amar.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 28-10-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠A PISCINA

Tão pequenina,
Redondinha,
Até acima cheiinha.

Eu parei a olhar
Muito tempo ainda
Para tal coisa linda,
Com o sol nela a espelhar.

Nisto, vem um passarito
Expedito,
Bonito,
E mergulha na piscina
Pequenina,
Redondinha,
E cheiinha.

Bate as asas
E as patinhas,
Levanta ondas
Brancas de espuma.

Um dia, quero uma piscina assim,
Pequenina, só para mim.

Ou então, não quero coisa nenhuma.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 02-11-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠POEMA DE FATO

Um dia, vesti o meu poema
De fraque e gravata
E lantejoulas,
Como num dia de ir à missa.

Depois, tive pena
Desta cena
E até me deu um baque
Numa bravata
De ceroulas,
Em noite de derriça.

E os deuses da poesia
Me apareceram a talho
E aconselharam:

Um poema, mesmo de elegia,
Não precisa de fato de companhia,
Basta-lhe a roupa de trabalho.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 03-11-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠C O N V I T E

Apareça, quem de mim gostar
Só hoje, sem choros, à beira do rio,
Porque amanhã cedo, o navio
Parte comigo para outro lugar.
E eu não sei se lá vou chegar.
Pode até o navio ao longe, naufragar.
Ou dar-me vontade de defecar
De pé, em cima das ondas do mar.
Aqui vos deixo o convite.
Depois, não me venham dizer
Por palpite,
Que era melhor eu ser
Sem parecer
O Eu,
Que não o Outro,
Que vos enviou o convite.

(Carlos De Castro, in Há um Livro Por Escrever, em 04-11-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠R E C E I T A

Uso uma panela velhinha
Já com furo,
De ir ao fogo, coitadinha.

Nela faço e costuro
Os estrugidos
Frigidos
Com amor e certa mestria,
Na construção da receita
Mais que imperfeita
Mas sempre sadia
Que em cada dia
Eu ponho na mesa
Com certeza,
Para degustarem
Amarem,
Ou repudiarem,
A minha insípida
E tantas vezes ríspida,
Poesia.

(Carlos De Castro, in Há um Livro Por Escrever, em 07-11-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠CRUEL DESTINO

Pedem-me amor
E eu não sei o que isso é;
Porque nunca o tive ao pé
De mim.

Assim,
Não sei se ele é dor
Ou prazer do início ao fim.

Pedem-me poemas
E eu não sei o que isso é;
Porque, malditas as minhas penas:
Poemas, será gente de fé?

Não quero nada,
Porque nada sei dar
Desde menino,
A não ser meu cruel destino
De querer amar
No já,
A quem nada me dá.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 08-11-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

O PIANO

⁠Há um piano
Que toca para mim
Sem parar,
Todo o ano,
De noite ou de dia
Como companhia,
Lá toca o piano.

Ele sabe que escrevo
A solo,
Como um tolo
Que se desvela
E canta à capela
Sem procurar relevo.

Bendito piano,
Quando me acompanhas
Nas poesias estranhas.

Maldito piano,
Quando tão solitário tocas
No silêncio das bocas
Com sono,
E me fazes chorar
Sempre que quero poetar
Nos dias tristes de outono.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 09-11-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

A G O I R O

⁠Tudo o que tu pensas
E repensas
De mim
Para ti,
Assim,
Para mim:
São espetros
E dejetos
Do teu ser doentio.

Com esse semblante bravio
Coitada, que já não pensa
A não ser em manobrar,
Enredar,
A minha vida num fio,
Na prisão da tua doença.

Pensa,
Triste ser vadio e frio,
Antes que o cutelo desça
Sobre a tua cabeça,
Numa sentença
De que me rio,
Pela tua malquerença.

(Carlos De Castro, in Há um Livro Por Escrever, em 10-11-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠Quase sempre, o primeiro foco de infeção pela inveja e ciumeira de quem faz melhor do que eles, tem início no tecido da própria família dita de extensa, compreenda-se.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 11-11-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠A V I D E Z

Tanto ávido à espera
Da esfera
Por armilar,
Para se poder guiar
No mar da ganância
E jactância
Onde se vai afundar.

São como cegos
Coxos e moucos,
Para alimentar os egos
Neste inferno de loucos.

Calcam e recalcam
O pai, a mãe
E todo o alguém
Que assaltam
Em nome da avidez,
Da sofreguidão
Que alguma vez
Os há de fazer penar
E findar,
Então!

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 15-11-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠A G A Z E L A

Que linda vai a gazela,
De dia,
Com seu vestido da cor amarela.

Nisto, cai a noite.

Vem um papão
Com o bastão
Na mão
E come a gazela,
Essa mesmo, ela.

Mas já sem o vestido da cor amarela.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 15-11-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠OS OPRESSORES

Quando eles nos cortam a palavra:
Há quem grite ainda mais alto
Ao baixo e pesado,
Como voz de mulher contralto,
Em soprano com sobressalto
Declamado:
Ninguém nos destruirá a lavra!

Que não nos levem a mal
Os opressores mal caídos,
E outros assim como tal
Iletrados e falidos
Dum bem chamado: palavra!

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 22-11-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠NA TERRA DOS ESTARRECIDOS

Lá, na minha terra, gostam de mim,
Mas muito ao de longe,
Porque ao longe,
Assim
Feito num monge,
Não lhes calco os calcanhares
Nem lhes corto os discursos,
Iguais aos dos ursos
Arraçados de muares.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 23-11-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠Sempre que penso na miséria humana, depois já nem sei reconhecer-me.

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

BEIJOS DO DESERTO

Ele, só lhe pedia:
- Dá-me um beijo, se não morro à sede...
E ia desfalecendo...
Aos poucos, morrendo.
E ela, ao lado dele, atirava:
- Quem vai morrer, não precisa de beijo!
Ele então tropeçou,
Aninhou,
Levantou,
E caminhou
E cada vez mais dela se afastou...
Afastou...
Mais à frente ele encontrou
Um cato no deserto,
Que depois de aberto,
A sede dele matou.
E então correu, como proscrito,
Correu pelo deserto infinito...
Já não quis o beijo que lhe matava a sede.
Depois chegou ela e viu o cato.
O cato, já estava seco,
De facto,
Mirrado,
Como um cão esfaimado.
Mas ela para matar a sede
Beijou o cato,
Pensando beijar os lábios dele
E morreu...

Do beijo.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 24-11-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

(DE) PRESSÃO

⁠Eu sei que:
Quando já não ouves
A voz do vento,
O chilrear das aves do céu,
O amor a cair levemente
Da razão do teu lamento
Como se fosse um véu
De noiva de neblina
Por estrear,
Ou cavalo à solta sem crina,
Dois bailarinos sem dançar...
Eu sei que:
Quando não desvendas
O mistério do teu eu,
Como nuvem presa no céu,
Prenhe sem chuva de rendas...
Eu sei que:
Quando choras, por chorar,
Sem ritmo, ou emoção natura,
Os teus olhos só podem mostrar
No mapa do teu rosto à procura
De lágrimas secas por achar...
Eu sei que:
Sofredor amigo, quase meu irmão;
Eu sei que estamos os dois
No agora e num depois
Vivendo,
Sofrendo
E chorando,
Esta imensa (de) pressão.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 25-11-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro