Camilo Castelo Branco
A maior alma é sempre insignificante ao pé da pequeníssima alma em cuja dependência está.
Ninguém sente em si o peso do amor que se inspira e não comparte. Nas máximas aflições, nas derradeiras do coração e da vida, é grato sentir-se amado quem já não pode achar no amor diversão das penas, nem soldar o último fio que se está partindo. Orgulho ou insaciabilidade do coração humano, seja o que for, no amor que nos dão é que nós graduamos o que valemos em nossa consciência..
O arrependimento inventa carinhos novos, e a inocência parece vingar-se, perdoando, e sorrindo ao algoz, que exora o perdão com lágrimas.
Não há metade do coração. Ou todo o amor ou toda a indiferença; quando não, é uma insustentável impostura, chamada estima.
O futuro é um descuido do maior número e uma aflição de poucos espíritos que vieram sãos a um mundo cheio de aleijados.
A torpeza, a ignomínia, a podridão das entranhas vivas, o nascer ou morrer infamado ou infame é só do homem.
Há um ideal comum a todos, ideal que dispensa consumo de ideias: coisa em si materialíssima, que se chama ideal em virtude de tácita convenção, feita há cinco mil anos, de nos enganarmos uns aos outros, e cada qual a si.
Todo o homem tem uma porção de inépcia que há-de sair em prosa ou verso, em palavras ou obras, como o carnejão de um furúnculo. Quer queira quer não, um dia a válvula salta e o pus repuxa.
Que mal fariam a Deus os nossos inocentes desejos?...Por que não merecemos nós o que tanta gente tem?
O amor quer o monopólio das faculdades da alma.
Os amigos
Amigos cento e dez, e talvez mais,
Eu já contei. Vaidades que eu sentia!
Supus que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais.
Amigos cento e dez, tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que eu, já farto de os ver, me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.
Um dia adoeci profundamente.
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.
- Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego, não nos pode ver…
Que cento e nove impávidos marotos!