Bruno Fernandes Barcellos
A preguiça é uma versão da omissão.
Como é difícil ter uma vida inteira de escolhas.
Começamos nos brinquedos, passamos pela faculdade, trabalho, amores e desamores.
Fazemos escolhas todo dia e o dia todo.
A verdade é que cansa, ou o que cansa é a verdade...
Que peso enorme esse tal de livre-arbítrio, como é fácil a vida dos animais que simplesmente seguem seus instintos.
Não enfrentam fila no mercado, não pagam juros no cartão de crédito, não precisam acompanhar as notícias insanas da política.
Apenas nascem, crescem, se reproduzem e morrem.
Ok, nós também, mas o nosso caminho não é linear, não somos limitados aos nossos instintos, nós temos desejos, referências, educação, valores, religião e medos, muitos medos.
E é essa constante liberdade condicional que nos traz a dimensão da responsabilidade.
Do desafio de responder por cada decisão, seja ela pensada ou impulsiva, consciente ou inconsciente, adulta ou infantil.
E em algum momento a preguiça, aquela falta de vontade, aquele estado letárgico que nos faz querer apenas o nada vai surgir.
Às vezes ela é até necessária, uma pausa para respirar e aproveitar a vista.
No entanto, em alguns casos, ela é a constância, ela vem na frente, amarrando os passos que até se pensa em dar, porém não damos.
Se omitir, calar, não falar também é bom e pode evitar grandes conflitos, mas quando nos acomodamos nessa posição, quando escolhemos não escolher, estamos nos omitindo de existir.
A perspectiva de futuro é necessária.
Na Psicanálise uma das saídas da fase edipiana é uma aposta no futuro, o que não se pode naquele momento será buscado em outras fontes em um amanhã.
Porém, quando se retira essa perspectiva de futuro, seja de uma criança ou de um idoso, o que lhe resta?
Se não tivermos direito a um futuro, mesmo que limitado ao tamanho dos nossos sonhos e decisões, que escolhas teremos no presente?
Muitas vezes é pensando no que podemos ganhar ou perder no futuro, que decidimos o presente. Mas se não houver este futuro, tomaremos o mundo por um imediatismo suicida.
Pelo prazer mais intenso no agora, pela fuga da dor, pelo tudo ou nada.
Por uma vida em que o sentido não será construído, mas sim consumido.
Por isso, antes de dizer que o seu plano ou o plano de alguém não vale a pena, tenha atenção em ver quais são as outras opções.
Fantasiar um futuro ainda é um meio de suportar o presente, e para algumas pessoas é o único meio.
A consciência da perda da inocência.
Fico sempre um pouco aflito quando vejo nos olhos de uma pessoa (amiga ou paciente) que ela começou a perceber a cadeia de comportamentos dela mesma ou de outra pessoa, e que os fatos, antes isolados e pouco relevantes, passam a se tornar uma história bem amarrada, indicativa de uma escolha, consciente ou não.
Em geral é um olhar para um vazio, recheado de significados, meio espantado, às vezes triste e às vezes portador de uma satisfação por desvendar aquele enredo.
Fico aflito pois esta é uma fronteira que nunca sabemos se, quando ou como cada um irá atravessar.
E após realizar a travessia se torna bastante difícil retornar.
Como dizia um paciente: "é impossível desver."
E de fato, algumas coisas após a conscientização são impossíveis de serem acobertadas, pois deixa de ser um ato inocente, para um ato deliberado.
Se antes não tínhamos culpa, ou ao menos, nos desvencilhávamos dela por alegar não saber, após sabido, seremos responsáveis por nossa omissão.
Tomar consciência é abrir mão da inocência, uma inocência que podemos questionar se algum dia existiu, mas que muitas vez convenceu a quem a portava.
E assim, enxergando, escutando, sentindo e percebendo se ganha o direito e o dever, o prazer e a dor do livre-arbítrio.
Temos o direito e o prazer da liberdade, mas com a dor e o dever de renunciar a cada decisão.
Por isso a resistência em crescer, em enxergar, em escutar e em saber, inclusive com isso se perceber pequeno e impotente diante de tantos não-saberes.
Mas é através destes confrontos, destas tensões que nos colocamos no mundo enquanto singularidades.
E por mais que perder a inocência seja desagradável, a existência fora dela é que tem sabor.
Bruno Fernandes Barcellos
Memória é atenção.
Muitas pessoas com idade inferior aos 60 anos me relatam problemas com a memória.
Na maioria das vezes é um problema de atenção.
A memória tem dois mecanismos básicos:
-o registro de algo;
-o resgate do que foi registrado;
A maior queixa é sobre o resgate:
-não lembro onde estacionei o carro;
-não sei onde deixei os documentos;
-perdi a carteira, mas acho que está dentro de casa;
Problemas comuns, que todos já passaram ou passarão, porém o que as pessoas menosprezam é a correria com que fazem as coisas, a quantidade de pensamentos que tentam resolver ao mesmo tempo e assim vivem com uma atenção muito baixa, seguindo quase no automático.
Assim, deste modo acelerado e desconcentrado, como fica o registro das atividades menores, que não são tão importantes? Péssimo!
Portanto, lembrar é ter atenção, perceber o que está fazendo, se possível falando em voz alta o que é e aonde está guardando algum objeto.
Reparar as placas e números de onde você está, seja em um estacionamento ou em uma rua, pontos de referência são sempre bons.
Então, antes de se desesperar, respira e avalia como você tem gerido sua vida.
A maioria dos problemas começam quando tentamos dar conta de tudo.
Inteligência emocional ou responsabilidade afetiva.
Se popularizou a ideia de que temos diversas inteligências e que precisamos desenvolvê-las, em especial a inteligência emocional.
No entanto, em minha experiência clínica, vejo que as pessoas conseguem ser inteligentes, mas nem sempre são responsáveis. Conseguem saber o que deveriam fazer, mas não conseguem escolher o que fazer.
O problema é a falta de inteligência, ou a dificuldade em se comprometer? É dificuldade em conceituar um comportamento ou em tomar consciência do que sente e do que deseja?
Em geral pessoas muito inteligentes pensam demais, questionam demais, duvidam demais, e vivem de menos.
Elas não sofrem de burrice emocional, elas sofrem da dificuldade em renunciar a uma opção.
Sofrem em escolher A e perder B, pois elas não querem perder nada e ficam com suas teorias medindo, avaliando e buscando aquela opção perfeita, que não existe, mas que a dúvida faz com que continuem perseguindo essa deliciosa fantasia.
Para o afeto é preciso afetividade e não inteligência, é preciso entrega e não cálculo, é preciso abrir mãos das réguas e das regras pre-estabelecidas, pois afeto é construção, e cada relação se constrói de maneira singular.
Desta maneira, estamos falando de responsabilidade afetividade, você responde pelo afeto que doa e também responde com o que faz com o afeto que recebe.
Faça sua escolha, mas lembre-se a responsabilidade é toda sua.
A felicidade não é um presente, mas um alívio após algumas lutas.
Se há participação popular é por haver tantas opções de esconderijo.
A realidade tem nos imposto o real, e a cada dia esta mais difícil negar ou "desver".
O que a psicologia propõe é ir além de uma mudança ensaiada de comportamento.
O que propomos é um questionamento da palavra e do ato, uma liberação das amarras do existir, para uma construção e reconstrução de sentido.
Ideologia é opinião.
Toda opinião é a exposição de algo que se pensa ou acredita. Portanto, uma ideologia, uma forma de pensar, culminará em uma opinião.
Deste modo, não podemos dissociar a exposição de uma ideologia sem que haja a exposição de uma opinião.
Por mais que se apresentem os opostos e se julgue necessário a escuta ao diferente, isto por si já compõe uma opinião/ideologia.
Se hoje definirmos que está proibido emitir opiniões, estaremos seguindo uma ideologia que se restringirá a opinião de quem detiver o poder.
Conhecemos esta ideologia da inquisição, das ditaduras militares, dos países comunistas, e de alguns modelos familiares.
O ser humano sempre teve e sempre terá dificuldades com a divergência e com a diferença, não existe modo fácil.
Mas é no enfrentamento destes desafios que avançamos enquanto sociedade e espécie.
Não é possível imaginar uma educação, sem opinião, pois não é possível ser humano sem ideologia, seja ela boa ou ruim.
Toda proposta de convivência é uma proposta ideológica, e para a alegria ou tristeza, não há relação humana sem opinião.
Pois mesmo ao definir que não devemos opinar na vida alheia, estaremos seguindo uma ideologia.
Assim como não é possível não escolher, pois ao decidir não escolher, estaremos escolhendo.
O eterno é só um momento.
Quando buscamos eternizar algo, estamos nos encantando por um momento presente tão prazeroso que desejamos perpetuar para sempre.
Porém, a vida é um retalho de momentos, alguns prazerosos, já outros de tensão ou sofrimento.
Ao nos vincularmos na promessa de uma eternidade qualquer, criamos dois laços, um que nos faz usar este momento como parâmetro para todos os outros e se marca como ponto ideal de felicidade. E o outro laço é a cobrança que colocamos sobre nós e sobre as pessoas que enxergamos responsáveis por esse momento mágico.
O "para sempre" ao longo do tempo vai deixando de ser uma declaração de amor para uma imposição de amor.
Ou me ama como aquele jeito mágico dos primeiros dias ou não serve mais.
E como tudo na vida sempre pode piorar, há ainda quem torna a paixão um modelo de vida, no qual um sujeito, menino ou menina, define para si o estado apaixonado como padrão.
E então passa a ser o que eu chamo de "seriallover", buscando paixões, sem dar chance de construir alguma relação mais profunda e realista, pois se comprometeu com o "eterno" ou "para sempre" que infelizmente dura pouco. São pessoas que buscam relações intensas de frenesi, em que o outro é tão desconhecido que parece ser perfeito.
A maioria de nós já viveu algo assim, mas quem apanhou um pouquinho sabe que isso passa... Porém, o "seriallover" se nega a dor, se nega a queda na falha das relações, nas imperfeições do outro e assim apenas troca de parceiro para manter o encantamento.
Na lógica destes "seriallovers", se o parceiro ou a parceira começa a deixar de ter graça, ficamos com a graça e trocamos de parceiro (a).
Mas em geral, quem sofre é o outro, que cai nesta rede de encantamento enquanto o "seriallover" já seguiu adiante, na verdade não saiu do lugar, apenas trocou o parceiro mas manteve o momento eterno de felicidade e completude.
Afinal, o eterno é apenas um momento bom.
A coerência é privilégio dos animais,
fiéis aos seus instintos.
Aos homens resta a destemperada
composição entre desejo e aceitação.
Superproteção desprotege.
Se focarmos nossas relações na segurança, há grande chance de promovermos relações de dependência.
Quando alguém, se dispõe a arriscar, a tentar algo diferente, difícil, ou até que o exponha a algum desconforto e um outro (pai, mãe, namorado, esposa, amigo) diz:
"não vai, não faz, olha bem, cuidado..."
"Isso não é pra você."
"Será que você consegue?"
A mensagem inicial é de carinho, zelo, preocupação, em outras palavras é um gesto de amor. No entanto, quando esta dinâmica se torna frequente para quase todas ou todas as situações, a mensagem começa a ganhar outro sentido.
Pode ser que quem esteja escutando comece a acreditar que não é capaz de realizar tais atividades, com estas frases se planta a dúvida e se desencoraja. A mensagem de cuidado se transforma em mensagem de impotência.
Desta forma começamos a incentivar que as pessoas sejam mais medrosas, menos ousadas, mais inseguras, e portanto, mais dependentes, pois se elas sozinhas "não são capazes", terão que buscar algo ou alguém que seja capaz ou que gere nela a sensação de potência.
Então, tenha cuidado com o excesso de cuidado, às vezes é importante deixar que seu filho, sua esposa, seu irmão, ou sua mãe, acredite neles mesmos e em suas capacidades de vencer os obstáculos.
O que encanta
Não são os olhos, mas o olhar.
Não é a boca, mas a voz e o silêncio.
Não é o fôlego que me dá, mas a falta de ar.
Não é o que se tem, é o que podemos encontrar.
Presenteie com o desnecessário.
Algumas pessoas têm por hábito pensar em algo que o outro esteja necessitando para presentear.
E dependendo da situação, pode ser uma boa estratégia, devido ao grau de dificuldades ou necessidades de quem irá receber o presente.
Porém, é bom ter cuidado para não nos limitarmos a presentear apenas com o necessário todas as pessoas.
Quando desejamos presentear alguém, estamos escolhendo um objeto que representa o nosso carinho por esta pessoa, algo que simbolize nosso respeito, reconhecimento, amizade, gratidão, amor. Algo que nos transborda em direção ao outro.
E se toda vez estamos dando o necessário, esta relação pode caminhar para um estado de caridade, que damos apenas na medida da carência.
Presentear é, ou espera-se que seja, um gesto de amor, e o amor existe quando é desnecessário, quando não precisamos do outro, mas ainda assim o queremos.
Quando passa a ser uma necessidade, uma busca incessante pelo outro ou por algo do outro, talvez já comece a se transmutar em algo que não é amor.
Amar é dar o que não se tem, o que te falta e não apenas o que te sobra. Quem dá apenas as sobras em uma relação de amor e sem que haja um estado de estrita carência de recursos mínimos, pode ter grandes dificuldades em demonstrar seus afetos.
Dividir o pão é diferente de dar o pão de ontem que sobrou.
Que encontre o discernimento para escolher entre desistir ou persistir, pois em ambos se pode encontrar a coragem para seguir...
É impossível atender às expectativas.
Tento ao escrever não enrolar muito, ser mais objetivo e já entregar nas primeiras linhas ou ao menos no título aonde quero chegar.
Porém, nem sempre atinjo esta minha expectativa, e fico surpreso com o que quem lê enxergou na minha letra.
Fora o texto, sempre fico surpreso com as expectativas que as pessoas criam sobre tudo, carreira, relacionamento, tratamento, até sobre o desafiante propósito de ir a praia num sábado de verão e por fé de que não terá trânsito e de que será fácil estacionar.
Confesso que esta última expectativa me choca mais que as outras, mas está lá no hall de expectativas impossíveis.
E sim, todos criamos expectativas, temos nossos planos e anseios, mas ignorar a realidade ou ao menos os riscos é um pouco de exagero.
Não precisamos nos tornar pessimistas ou paranóicos, mas podemos considerar qual caminho necessário para alcançar esta expectativa e os obstáculos à ultrapassar.
E nessa dinâmica temos que ter muito cuidado para nãos ficarmos reféns das expetativas dos outros, caindo em uma chantagem emocional em que tentamos eternamente agradar o que não pode ser satisfeito.
E por outro lado também termos cuidado para nos tornamos mimados à espera de algo ou alguém que nos satisfaça plenamente.
Toda satisfação é parcial, transitória, e surge de um movimento nosso. Outros podem participar e contribuir, mas somente nos mesmos podemos saborear as nossas conquistas.
Assim, não gaste sua vida tentando encontrar um dia perfeito, busque encontrar algo que te satisfaça em um dia imperfeito, seja um aprendizado, um orgulho por uma forma que reagiu, ou mesmo a nobreza de reconhecer que você teve um dia difícil.
O pior sofrimento é o da ignorância, então tenha consciência dos desafios, riscos e aporrinhações e tente considerá-los como parte do processo, nada sai exatamente como o planejado, então trabalhe com alguma margem de erro.
Pessoas inseguras estimulam o medo, a desistência, a dependência e desarmonizam o seu grupo de convivência.
Pessoas confiantes estimulam a criatividade, a coragem, a independência e promovem maior articulação do seu grupo de convivência.