Bruna Romero
Temos que ser o que somos,
aprumar nós mesmos
os nossos passos,
para mostrar que os loucos
são eles
Porque discutir, bater de frente, insistir
já não tá mais valendo a pena...
Tá cansando demais...
Vamos mostrar quem somos,
o que vestimos, contar os nossos sonhos
na paz de um pé de uvaia.
Bateu uma nostalgia...
Ingrata, faminta, carniceira,
Possessiva e hóspede permanente.
Não trouxe nada na bagagem,
veio coberta de farrapos e fuligem,
sussurrando bêbadas bobagens.
Entrou sorrateira,
atravessou a casa e sentou-se na soleira
para respirar a última flor na roseira.
Olhou por cima do ombro
e fitando minha cara de assombro
esboçou um sorriso rubro.
Tal como quem esquadrinha uma alma
guiou-me com a calma
como se de minha criança fosse ama.
Apontou-me no espelho,
onde senti meu rosto velho
e meu espírito banhado em vermelho.
"Breve não virei, mas ela..."
"Aquela invejosa, fria e magricela...?"
"Não, a saudade: solitária donzela."
Foi-se conformada,
com a essência desabafada,
o andar lento e em paz mergulhada.
Infame! Deixou-me a pensar,
temer, tremer, caducar.
E quando a donzela chegou, pus-me a chorar.
"Seu rosto está cansado,
seu espírito abatido
e seu corpo enfraquecido..."
"E você está atrasada,
e apesar de toda arrumada
em seu âmago foi destruída!"
Cerrou o riso lívido
e enegreceu o olhar cálido:
"Amanhã já terá partido!"
Ah, sentença tão esperada
em bancos de praça, em orações suplicada,
"Agora sim, vida bandida! Está acabada!"
Passaram-se mais manhãs,
novas tardes colhendo hortelãs,
outra leva de noites órfãs.
Alucine-se!
Em minhas curvas
com minhas cores
com meu ar de veludo!
Entregue-se!
Atravesse os rios de águas turvas
e declare seus amores...
Se esqueça de tudo!
Brigadeiro, terra, bicho e flor
Bolo de aniversário, pega-pega, casa de vó.
Bicicleta, livros, músicas e o primeiro amor
Merthiolate, cadernos de enquete, dominó.
Formação, trabalho, responsabilidade, da morte a dor
Mais juízo, menos tempo e o que resta é pó.
Só no sonho continuo inventor
[inventor de mim]
Eram o Um e o Outro.
Falavam de tudo,
sobre tudo,
e podiam se completar:
Um ao Outro
e o Outro ao Um.
Até que chegou um amigo do Outro:
--Vocês são amigos?
E o Outro respondeu:
--Conhecidos.
O Um não reconhece o Outro até hoje.
Esta semente, esta chama em ti:
nasceste com ela?
Sabes que teu espírito assusta...
Aflora e não se apaga.
Não há rótulo para tua essência...
Haverá alguém que verdadeiramente te conhecerá?
Não se ouviu em fábulas nos mares,
não se leu nas estrelas.
És uma mistura heteróclita de amor,
fé, inconformismo e vontade de fazer.
Quando te acharei?
Viverei, ao menos um dia, contigo?
Ao menos no fim de todas as coisas
Estarão meus ossos aos seus?
Chove.
Você partiu.
O vinho acabou.
O chocolate enjoou.
As flores murcharam.
Eu chorei.
~~E o mundo não acabou.