Bianca Monteiro Garcia
dia das avós
seu rosto adormecido e sereno
me faz esquecer do coma induzido
e me traz alívio
as agulhas que fisgam seu braço
o tubo que leva oxigênio à sua boca
não incomodam
você não sente
o calor da minha mão
minha voz no seu ouvido abanando os dias
cantando a música
que você costumava dançar
enquanto fritávamos pastéis
de queijo com goiabada
o pior momento é quando a noite chega
você aí no leito
eu aqui em casa
água que escapa entre os dedos
assisto de pé os minutos e a chegada
de mais um sol gelado de julho
não sei se está protegida
ou desamparada
sua ausência pulsa na aorta
de mãos dadas com sua neta
nesta tríplice fronteira que nos cerca
coroa imperial
lírio-de-natal ou lírio-sangu-salmão
os ramos sustentados por longos estames
reunidos em grande umbela
na ponta de um pecíolo grosso e forte
floresce no verão bem na época do natal
e depois desaparece num suspiro
entra em estado vegetativo
deixando o caule à mostra e solitário
no outono perde as folhas restando a terra firme
e o vaso sem ornamentos
reabre lentamente no fim da primavera
foi meu avô quem a encontrou
em um passeio
numa manhã dominical
de mãos dadas ao acaso
viu no canteiro de um vizinho do bairro
e agachado roubou uma muda
entregou à minha avó
presente de reconcialiação:
a árvore genealógica da família
a performance
não há potes de ouro
língua também é corpo
e outro dia me lembraram
não há troféu na linha de chegada
simulacro & simulação
o amor também está
em desenhar coelhos e patas
com a sombra das mãos
na madrugada mais fria do ano
o teto aceso por um vagalume
e os edredons intactos
enquanto os dedos dançam
sob a pele