Bianca Garcia
Se não fosse o engarrafamento, o lixo, a violência e a desigualdade, o Rio seria a melhor cidade do mundo.
Logo ela que conhecia muito do mundo e da vida. Logo ela que me ensinara sobre sorrir pra vida. Logo ela!
Precisei não ver mais essas crianças, que vivem em uma realidade distante do asfalto. No morro, com nove anos, as crianças já sabem se virar, no mundo, sozinhas.
Aqui, não se tem muitos porteiros
Nem babá com mãe do lado
Aqui, no subúrbio, não tem governo circulando
Ninguém olha pro lado... Do lado tem um amigo. Do lado não tem nada. Do lado tem tanta gente. Mas ninguém percebe... Não vêem o amigo. Não vêem o nada. E não vêem a gente. São cegos. Nem vêem escuros, nem vêem claro. Não é nenhuma cegueira de escuridão ou claridade. São cegos de tudo. São cegos em tudo. Não vêem a vida.
Nosso grande chocalho é mais uma das obras pela cidade. Mais uma delas que desviam milhões. Mais uns milhões que vão para os ternos, junto com os milhões das Unidades de Pronto Atendimento, e que de pronto atendimento não tem nada, e com as Unidades de Polícia Pacificadora. Se não houvesse reforma, daria, talvez, para a construção de dois estádios. Se não fossem aluguéis de conteiners, daria, talvez, para a construção de hospitais, descentes, públicos. E se não fosse a mentira da pacificação, as fronteiras estariam todas reforçadas. Mas parece que as máscaras não vão sair daqui. Estão nas favelas, nas obras... Estão em todo o governo!
Enquanto os olhos do mundo estão voltados para o Brasil, e muitos deles apenas para o Rio de Janeiro, espalham por aí que somos a sexta economia do mundo, que somos o país (há anos) do futuro, que somos uma nação de verdade. Por outro lado, só conheço uma nação mentirosa, que não tem memória, nem estudo. E sente fome!
O garoto não me vira. Nem poderia lembrar de mim. E das coisas que ele disse um dia. Nem ele sabia o que dizia. Quanta hipocrisia!
Das duas uma: ou os dias deverão ter quarenta e oito horas ou existirão coisas mais rentáveis e menos corridas.
No Rio de Janeiro temos dois grandes poderes: o Estado e o Tráfico. E, há anos, somos reféns dessa dupla.
Entendi agora suas críticas à tudo. Sua intolerância ao mundo. Sua insatisfação com a vida. Ora, você acredita ser seu destino ficar sozinho.