Aparecido Galindo
Qualquer narrativa literária onde figure o ser humano, exige de quem a escreva algum domínio sobre a arte da ambiguidade.
É admirável o esforço dos escritores contemporâneos para transformar o mundo através da Literatura. Quanto a mim, escolhi algo bem mais modesto: contar histórias.
A Literatura Engajada, como hoje se dá, exige certa renúncia artística, algo que nem todos os escritores estão dispostos a fazer.
Não esqueçamos que o Mainstream Editorial costuma dar ênfase a produtos livrescos, mas fazendo-os passar por Literatura.
Mas o que seria o nosso rosto a não ser uma perfeita máscara? Que a aperfeiçoamos com o passar do tempo, até que por trás dela não exista mais nada.
Ninguém exige que o Médico seja um excelente Poeta, ou de um Químico o desempenho de um Romancista. Mas, pasmem, ainda há os que defendem que o Escritor domine a sua Arte e de lambuja, sane todas as mazelas do mundo.
A Arte é um ancoradouro instável e de difícil acesso, já a Cultura é um porto seguro: provido de mapas, farol e rotas pré-estabelecidas.
Falar em Arte Marginal é redundância, porque a Arte só pode existir à margem, tudo o que se encontra no centro já é Cultura.
Aquele a quem costuma-se chamar de “Artista” é na verdade alguém dado as aparências que tem por objetivo alcançar e manter certa relevância no Mercado Cultural. O Gênio Artístico ocupa-se da Arte e isto lhe basta.
Quem abre um livro, físico ou digital, na solidão do transporte público, ou em casa, e que não sabe o que é “cronotopo” é mais digno da Literatura do que os mercadores literários e escreventes de teses “copia/cola” acadêmicas.
O tédio sempre foi um privilégio das elites. O proletáriado, vivendo entre a opressão de um trabalho desumano e o medo de perdê-lo, nunca pode usufrir de semelhante luxo.
Para alguém ser reconhecido como um artista, trata-se mais de participar ou não de confrarias, do que de Arte.
O que faz um(a) cantor(a) ser da MPB (Música Popular Brasileira) não é a música, mas sua capacidade de comungar dos mesmos valores e crenças da burguesia, principalmente de seu habitus cultural.
MPB (Música Pequeno Burguesa), para desfrutá-la é necessário uma longa habituação, talvez de berço, ou o desejo profundo de ser reconhecido como um burguês.
"A burguesia fede”, que bobagem! O odor é único para cada indivíduo, um traço da personalidade, algo que o burguês não tem porque tudo o que faz emula os hábitos e interpretações de mundo da elite.
Então chega o dia em que um descobre que não será lido. Daí que, longe dos seus, do público e da crítica, ele assume a responsabilidade de fazer arte.
Alguém pode escrever, tocar ou cantar sem que para isso seja reconhecido como um artista. Quanto ao artista, este pode se abster de toda e qualquer arte, nunca de seu público.