Aníbal Beça

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Nos gestos da mão
baila a brasa do cigarro:
pisca o pirilampo.

Sobe a piracema -
ano que vem outros peixes
nadarão de novo.

Tempo de uiaúa:
o rio onde os peixes nascem
é o mesmo que os mata.

Céu de primavera.
Nas açucenas floridas
dura mais o orvalho.

Partitura alegre:
cai a chuva sobre o charco
no ritmo dos sapos.

Na caixa postal
a mão sente a queimadura:
taturana presa.

Ah, a sensualidade...
palmeiras se abraçando
cúmplices do vento.

Teus olhos formam
das ázimas lágrimas
rios que retornam ao mar

Abre o camponês
sulcos de arado na terra:
no seu rosto rugas.

Hora do recreio:
periquitos tagarelas
brigam pelas mangas.

Ao sol do verão
o sorvete se derrete.
Namoro desfeito.

Abro o armário e vejo
nos sapatos meus caminhos.
Qual virá no séquito?

Açougue nas águas:
piranhas esquartejam o boi
no meio do rio.

Folhas do ciclame
ao vento pra lá e pra cá -
um coração pulsa.

Gaiola se abrindo
e o haijin livre de amarras:
sabiá cantando.

Com jeito voyeur
da soleira da janela
um pombo me espia.

Morcego em surdina
morde e sopra o velho gato.
Não contava o pulo...

Na casca amarela
se esconde em vão a goiaba:
tantos bem-te-vis...

No ocaso do outono
só o carrapicho gruda
na velha calça...

Maria-fecha-a-porta
ao toque do meu dedo:
ah plantinha tímida...

Entre o capim seco
uma surpresa rajada:
ovos de codorna.

A chuva já vem?
Não vem. É o marcador
cantando a quadrilha.

Jogando a tarrafa
caboclo desfaz a lua.
Pesca estrelas de escama.

Girassol na tarde
se curva em reverência:
o sol se vai.

Cercada de verde
ilha na hera do muro:
uma orquídea branca.