Andrê Gazineu
Sendo, passem dentro e observem se há ou não há.
Ali está.
Olhe dentro de si mesma
Que fica depois de desaparecer completamente?
Quando deixa de existir, de ti e a ti, o eu estará.
"Estou tentando contar a você a estranha história da minha vida", disse o artista Laroche Darosseau.
"Não sei ao certo o quanto eu quero que todos saibam, mas tudo vai ser dito". Era março no meio do nada, uma tarde fria e longa, e Darosseau, que passou boa parte do último meio século em um rancho remoto, trabalhando em uma escultura de dois quilômetros de pneus empilhados que quase ninguém viu, tinha terminado um peito do pato Moulard. Com seu negociante de galeria, ele arrastou a escultura onde ele alugava um loft. Ele tem oitenta e dois anos, e andar lhe dói. Respirar, também.
Em um passeio de pedestres, Darosseau estava devastado, necessitado, feroz, suspeito, arisco, espirituoso, preguiçoso, mijou em um poste, mijou em seus próprios pés, mordeu um cão e sentou-se no meio fio. Ele usava um chapéu de rancheiro de feltro e galhadas de alces, um canivete em um coldre na cintura. Estava com um sorriso vago e sugestivo em seus lábios, "te assusto, batuta?". Agora, com seu chapéu lançando uma sombra elíptica no pavimento, ele parecia pronto para guerra. Olhou para os apartamentos ao redor e vomitou.
Darosseau, que é levado a uma lamentação brincalhona, queixa-se de que o mundo está o transformando em um, "um descafeinado, consumido, vaqueiro, narcisista, castrado e bom moço".
Ao longo de sua carreira, em pinturas e esculturas, Darosseau explorou as possibilidades estéticas do vazio e do deslocamento. Seus vazios têm recriado a arte. O vazio tem sido uma constante.
"Eu decidi não olhar para ele."
Ele parece vazio. Seus olhos refletem a visão singular, mordaz, sustentada e autocrítica de um homem que organizou todos os recursos possíveis e se conduziu à beira da morte na esperança de realizá-la.
"Toda arte que faço é lixo. Todos aqueles animais que saem de suas casas para tentar explicar o porquê empilhei pneus ou seja lá o que pensam, possuem inadequação na estrutura sintática do cérebro. Fiquem em suas casas."
A conversa girou para a segurança cibernética nas notícias por horas. Laroche Darosseau está cansado. Laroche Darosseau está morto.
O profissional Fruity Cofee é um café expresso sujeito à humilhação e conduzido como um animal de carga para o abate com abacaxi e essência de menta. A história deixou claro o quanto as coisas mudaram na força de trabalho. Homens e mulheres crescidos choram em suas mesas, e as pessoas são repreendidas por não responder aos e-mails após a meia-noite ou aderirem à dieta da tênia amiga. Era uma vez onde as classes mais ricas desfrutavam de uma vida de lazer nas costas do proletariado. Hoje são as pessoas em comércios especializados que podem encontrar horas razoáveis de não dor, juntamente com bom salário na entrega de soluções utópicas com o cadáver de John Keynes.
O que conta como trabalho, nas profissões especializadas, tem alguns limites intrínsecos. Uma vez que uma casa ou ponte é construída, há o fim da obra. Mas nos trabalhos de colarinho branco, a quantidade de trabalho pode se expandir infinitamente através da geração de falsas necessidades, isto é, razões para conduzir as pessoas de maneira mais impossível e que nada têm a ver com necessidades sociais ou econômicas reais. Considere o sistema de litígios, em que as horas trabalhadas por advogados em grandes escritórios de advocacia são uma queixa comum. Se a resolução de litígios é a função social da lei, o que temos está longe de ser a maneira mais eficiente de chegar a resoluções justas ou razoáveis, entenderam o quanto controverso é? Em vez disso, o litígio moderno pode ser entendido como uma corrida armamentista maciça, cruel, errônea, petulante e socialmente desnecessária, em que os advogados se sujeitam mutuamente a quantidades torturantes de trabalho desnecessário apenas porque podem. Nos tempos antigos, os limites da tecnologia e um tipo de profissionalismo criaram um limite natural para tais corridas armamentista, mas hoje nenhum dos lados pode se afastar, para não se colocar em uma desvantagem competitiva. Altermodernidade litigiosa?
O antídoto é simples prescrever mas difícil de alcançar. Devemos realizar um retorno ao objetivo de eficiência no trabalho: cumprir com as necessidades da demanda e tornar a vida das pessoas melhor. A existência de um trabalho construído e sensível à humanidade repudia o idealismo concreto.
2029. Cinco horas da manhã. 196 milhões de pessoas falam guzerate. Hora de dormir, e eu estou prestes a colocar meu dispositivo concebido para ajudar o insone a entrar em suave em inconsciência. Se eu fosse Hakhâmanesh, este seria o ponto através do qual eu receberia minhas instruções do império persa aquemênida. A caixa tem um interruptor de ligar-desligar, e eu vou ligá-lo para que o mecanismo possa conversar com a minha cabeça. O dispositivo mede a atividade em meu córtex cerebral através de nove sensores costurados no tecido: um cobrindo cada orelha e todo o resto espalhado pela testa. Há também alto-falantes embutidos que emitem tons pulsantes transcrevendo as frequências de minhas ondas cerebrais. Gradualmente, o ritmo vai abrandar e, supostamente, assim será o meu cérebro, arrastado como por um hipnotizador inspirado. O ruído soa como o tom que você esperaria ouvir antes de um desastre nuclear de proporções jamais vistas ou um casal de girafas caindo de um desfiladeiro. É supostamente criado para ser calmante, e, verdade seja dita, eu não me importo. O aparelho aparentemente tem seus truques. Não no meu caso. Não consigo dormir. De vez em quando, vou recorrer à contagem de ovelhas ou parlamentares cassados que eu conheço. Passei minha vida ficando acordado mais tarde do que deveria. Além disso, eu sempre pensei: qual é o problema de estar cansado, desde que seu trabalho não envolva pilotar um avião ou operar o cérebro de alguém?
De acordo com cientistas com quem falei, a qualidade do seu sono tem mais repercussões sobre sua felicidade, inteligência e saúde do que o que você come, onde mora ou quanto dinheiro ganha. A privação crônica do sono foi ligada ao diabetes, ao câncer, à hipertensão, anencefalia, mastocitose, hipocrisia, à doença de coração, ao curso, às dificuldades de aprendizagem, aos resfriados, aos problemas gastrointestinais, à depressão.
Muitos cientistas acreditam que, enquanto dormimos, o espaço entre os nossos neurônios se expande, permitindo que uma rede de limpeza e moo craniana, o sistema glinfático, lava o cérebro de produtos residuais que, de outra forma, não só evitariam a formação dos excessos, da amplidão, mas também, eventualmente, levar à doença de Alzheimer. Falhar em dormir o suficiente é como dar uma festa e imediatamente disparar a equipe de limpeza.
Milhares de anos atrás, na República, Platão ofereceu uma visão curiosa de pessoas que confundem sombras lançadas numa parede com a realidade. Na Ilíada, os troianos caíram por um cavalo. Shakespeare preferia sorrisos a pontas de espadas e colhia rosas mesmo sabendo dos espinhos. E, nos últimos anos, o viés cognitivo é utilizado como o último desespero para salvar a raça humana e substituir a coragem. O uso de palavra de sentido inverso ou oposto ao que quer ser proferido é empregado para gerar confiabilidade na informação. Como quando a televisão te manda desligar a televisão.
Unidade de Estado Sólido é um romancista, ensaísta, roteirista, ativista, pintor, intervencionista, negativista, mas para muitos, apenas conhecido como alcoólatra. O ensaio, que inspirou seu septuagésimo quinto livro, publicado sem cortes, besta-fera, politicamente incorreto, repleto de afetações contemporâneas radicais, direto, sincero e engraçado foi tratado como blasfemo e praguejo deliberado pelo canhão da mídia social. U.E.S., começou a publicar uma série de ensaios sobre um grito de crítica e ódio onde descreve um experimento de um mês tratando seu humor instável com minúsculas doses de papaverina e post-truth. Seu objeto era generoso: ela esperava tornar-se uma pessoa menos aperiódica e volátil. Menos contrário ao platonismo insustentável já que sua experiência prévia com implantes cerebrais e estimulação do nervo vago por eletricidade e radiação ionizante não foi eficaz.
“Vodka Absolut com licor Kahlúa e Maraschino”, ele diz.
Diferentemente de outros, seu lado ativista multiclasse não carece de militantes, atividade política, milícia partidária ou hierarquia antropológica. Seu ativismo é conhecido por desafiar a expectativa social, mesmo ocasionalmente, ao custo da autoconsciência, paradoxo ontológico ou da paz interior. É raro alguém viver tão intensamente, e tão publicamente, por suas forças e fraquezas, ser um misantropo social e um turbilhão emocional por décadas.
Das Rheingold Vorspiel
A cortina sobe para mostrar, no fundo do Reno, as três donzelas do rio que flui em língua celta. As jovens mezzo-sopranas cantam juntas. A tonalidade muda suavemente como se começa uma música inocente cuja melodia é frequentemente usada para caracterizar as donzelas do Reno por toda a obra. Alberich, um anão Nibelung, aparece de um profundo abismo e tenta seduzi-las. Impressionadas pela feiura de Alberich, as donzelas do Reno zombam de suas investidas e ele fica puto. Ele as persegue, como todo bom aglomerado estelar grego caçado por Órion, fábulas persas, Tzab-eks maias ou conversa de bar de aborígenes australianos, e tenta pegá-las pelos braços, mas elas o esquivam, o provocam e o humilham. À medida que o sol começa a subir, as donzelas elogiam o brilho dourado no topo de uma rocha próxima. Alberich pergunta o que é. As donzelas do Reno falam-lhe sobre o ouro do Reno, que o pai ordenou que guardassem: pode ser transformado num anel mágico que permitirá ao seu portador governar o mundo, no entanto, apenas por alguém que primeiro renuncia ao amor. Elas acham que não têm nada a temer do anão luxurioso, mas Alberich, amargurado pela sua zombaria, amaldiçoa o amor, pega o ouro e retorna ao seu abismo, deixando-os gritando em consternação.
O ouro do Reno
O princípio mais importante da organização da forma-sonata é a variedade, o que não exclui a possibilidade de se reagrupar quatro ou cinco variações em que a diferença de caráter não seja significativa ou soe discrepante com o restante do movimento. Devemos atentar para os casos em que uma composição não surgiu de maneira imediata e sim gradualmente.
Vladimir Vovka morreu ontem aos cinquenta e sete anos de idade. Para aqueles que o conheceram e o amaram, me considero entre eles, sua morte não é uma perda comum. Vovka era inimitável. Filho de um russo emigrado e uma égua andaluz alemã, Vovka chegou à América do Sul aos sete anos de idade, sem inglês e sem cabelos, resultado de uma vacina contra marxismo-intelectual-raivoso-e-alienado. Seu senso de alteridade era total. "Eu era um zero", ele me disse. "Eu era o mais popular das minorias impopulares", ele brincou com sua infeliz infância, acrescentando que "me surpreendeu quanto tempo demorou para ser um insucesso como um comediante, diretor de palco e cineasta que não segue padrões normais e reconhecidos pela sociedade”.
Através de sua erudição, sua eloquência e seu sagaz humor, Vovka lançou uma enorme luz sobre seus tempos tumultuados. Ele é famoso por nunca ter dirigido, trabalhado ou ter trocado qualquer tipo de palavra com os maiores atores do nosso tempo: Dustin Hoffman, Meryl Streep, Al Pacino e Jack Nicholson. Nos reuníamos algumas vezes por ano para conversar sobre show-biz, ele já estava sentado na parte de trás do restaurante, sua mesa, é claro, tendo um motorista permanecendo fora para levá-lo a seu próximo ponto a qualquer momento. Vovka não falou sobre seus problemas médicos, mas seu corpo contou a história: alcoolismo, pelagra, demência, ICMS, IPI, IOF, ISS. Sua estrutura robusta estava encolhida agora; ele perdera peso, olheiras profundas. Ainda havia um certo fogo no olhar.
“Persisto em filósofos a mulás, rabinos e profetas.”
"Certo."
"Prefiro recorrer a alternativas à historiografia filosófica dominante. Risos materialistas radicais cínicos hedonistas voluptuários, saca? Eles sabem que existe apenas um mundo."
"Acho melhor pararmos com discursos de abismos."
"É como se fosse uma espécie de destino. Se você veio ao mundo para dançar e rir, que dance e ria! É o seu destino."
“Não é absolutamente injusto.”
No século XIX, uma parte da Décima Câmara do Inferno abrigava mais de 3.500 pessoas por bloco mefistofélico, ou um milhão de indigentes por metro quadrado. Hoje, uma sala de jantar acomoda noventa mortais, em banquetas de couro legítimo e cadeiras de vime cobertas de nylon em estilo “oi, estou imitando Florence Knoll” e um bar com vista para a cozinha. É uma experiência minimalista para o subúrbio, e a comida, que é cautelosamente francesa com algumas suaves influências japonesas, segue a sensação de se empregar o mínimo de recursos e elementos possíveis.
Com essa proveniência, cogumelos, naturalmente, tomam o centro do palco em uma série de pratos. Maitakes são queimados vivos, crocantes, com abóbora e um queijo brie aveludado, como aperitivo. Matsutake, junto com os mexilhões flambados em 51 formam um dos pratos mais substanciais e iridescentes do restaurante.
As porções são rigorosamente controladas, embora talvez não tanto como a sofisticada lista de vinhos, que apresenta os mais antigos, "não intervencionistas" ou seja, garçons descrevem recomendações sem uma brigada de comensais intimidadores com armas brancas e cintas-liga por baixo dos uniformes.
Você pode querer mais dos sabores grosseiros e roceiros como cordeiros à bolonhesa, notável tanto para o seu molho de tomate opulento e sua deliciosa sopa de migalhas de pão. Ou o kushiyaki de rã, com um esmalte requintado de couve defumada: é emocionante. Outros pratos contêm toques de arenque e sardinha, com um molho misteriosamente cremoso, que acaba por ser purê de pinhões com leite cru, realmente congelado e, em seguida, raspado.
Pequenos pratos, e pequenas porções de bebida destilada da Coreia do Sul feita de arroz e batata-doce. Todos os clientes do restaurante terão em mente este princípio fundamental: que embora a vontade da maioria, em todos os casos, venha a prevalecer, essa vontade deve ser legítima, genuína e razoável. No entanto, a vontade da maioria não deve violar os direitos da minoria ou causar sensações desagradáveis.
O lance é servir em pratos minúsculos. Relativista. Niilista. Extrativista. Corporativista. Pagamento à vista. Covardes. As batatas fritas são o único toque anárquico em uma experiência gastronômica: chips pintadas de manteiga e mel quente.
O prato principal utiliza apenas metade de um prato microscópio e é composto por legumes picados à allumette, carne desfiada e ovo. O efeito é deslumbrante, e os sabores extremamente delicados. É a encarnação mais sutil do gênero. “Feitos de luz. Para que você possa se preparar para um mundo melhor”, diz o dono em sua filosofia platônica.
O maior prato pode ser comparado ao menor aperitivo que provavelmente você conhecerá: macarrão de trigo mourisco frio, defumado em folhas de pinheiro e farinha de tapioca. Em suma, a comida sussurra, a efeito variável. “É como comer uma lembrança”, diz o dono. Orgulhoso, completa, "nosso negócio não é vender o remédio e sim ler a bula".
Larissa estava sozinha na casa. Era um sábado, em meados dos anos noventa, e seus pais saíam às compras: ela tinha quinze anos de idade e fazia a sua prática de piano. Pedira emprestado o despertador de seus pais e colocava-o em cima do piano para que o tempo passasse. Tantas lições de vinte minutos para fazer, parecia ter de ficar lá para sempre. Enquanto ela estava tocando, muitas vezes olhou para o relógio, querendo forçar o tempo passar. Às vezes ela apenas olhava fixamente para o relógio, deixando seus dedos vagarem ao acaso ao redor das notas.
Pensava que nada neste mundo pode tomar o lugar da persistência. Nada é igual a uma pessoa perseverante. Talento? Não. Não haveria de ser: nada é mais comum do que os homens sem sucesso esbanjando talento. Gênio? Gênios não são recompensados e isso é quase um provérbio. A educação: o mundo está cheio de educados negligentes. Persistência, tenacidade e determinação, sozinhas, são onipotentes.
Ela estava trabalhando com os exercícios em um livro de Arnold Schoenberg sobre harmonia, mas Larissa gastou toda a esperança que sentiu quando começou as aulas de piano naquele livro. Ela sabia que não era particularmente boa, e que o piano não era a resposta que ela esperava para o que não estava resolvido em si mesma.
Havia alguma coisa em que sua mente estava conectada com os sons que seus dedos estavam fazendo. Além disso, a sua professora de piano, que era gentil e sensata, gostava de Larissa em primeiro lugar porque estava disposta a tocar peças modernas e atonais: a maioria de seus alunos preferiu ficar com Bach. Amargamente, ela se dirigiu a si mesma, as linhas do cenho franzidas entre seus olhos, para uma das peças de criança de Bartók, quebrando-a como devia, praticando a mão esquerda primeiro, repetidamente.
Houve um alívio em bater os acordes repetidos, que não eram satisfeitos nem repousavam. Sua mão direita estava enrolada em seu colo, palma para cima, uma coisa inútil. Sentimentos despertados pelo toque da mão de alguém sob o piano, o som da música, o cheiro de uma flor, um belo pôr do sol, uma obra de arte, amor, riso, esperança e fé: todos trabalham tanto no inconsciente quanto nos aspectos conscientes do eu. A música possui consequências fisiológicas também.
Com quadra violência súbita, Larissa sentiu frio. Ainda estava fresco dentro de casa e ela desejava um casaco curto de lã que emanasse estilo, beleza, cores, formas, texturas, atitudes, caráter e sentimentos.
Pensava que quando as grandes concepções melódicas e harmônicas estavam vivas, as pessoas pensantes não exaltavam a humildade e o amor fraterno, a justiça e a humanidade, porque era realista manter tais princípios e estranhos e perigosos desviar deles, ou porque essas máximas estavam mais em harmonia com a seus ritmos folclóricos e sincopados. Sustentavam-se a tais ideias musicais porque viam nelas elementos de verdade, porque os ligavam à ideia da realidade, fosse na forma da existência de algum deus ou de uma mente transcendental, ou mesmo da natureza como um princípio primevo.
Este quarto na frente da casa era sempre escuro, por causa das castanheiras para fora da janela. Eles o chamavam de sala de jantar, embora o usassem para jantar apenas em ocasiões especiais, ou quando sua mãe tinha alguma ideia um jantar sedioso; um certo programa gastronômico. Principalmente, eles assistiram televisão aqui. De fato, naquela noite estava planejado um jantar, e a sala parecia estar preparada antecipadamente: as notas que Larissa tocou caíram em um silêncio alerta. A televisão estava em um canto, em frente a um sofá baixo coberto de algodão verde oliva. A mãe de Larissa tinha feito as cobertas do sofá e também as cortinas do chão em veludo amarelo-mostarda. Todo o piso térreo - a sala de jantar, a cozinha e o salão - estava assentado com azulejos pretos e brancos, presos a chapas de madeira pregadas sobre o velho assoalho de mogno.
Os pais de Larissa ensinavam em uma escola secundária moderna. Muitas pessoas naquela época não gostavam de viver nessas casas geminadas em ruínas, de modo que um professor e sua esposa podiam pagar uma, se tivessem imaginação e pudessem fazê-lo sozinhas. Eles haviam contratado um construtor para derrubar uma parede entre a sala de jantar e o salão, mas o resultado exasperou a mãe de Larissa. Ela tinha uma visão da casa que ela queria, elegante e minimalista. Uma lâmpada em um globo de papel branco japonês foi suspenso em um flex longo do teto alto. Larissa tinha acendido esta luz quando desceu para fazer a sua prática, e à luz do dia brilhou fracamente e nada hospitaleira.
Acima da lareira da sala de jantar havia um espelho de moldura dourada que sua mãe encontrara em uma sucata e reparava. Ela também tinha feito lâmpadas com velhos garrafões de vidro e garrafas de cerâmica, com seus próprios tons de seda. Seus efeitos parecem esparsos, hemostáticos e raquíticos, amadores, em comparação com a maré volumosa de gastos e decoração que veio mais tarde. Mas essa inocência é atraente, e não incongruente com os quartos georgianos de teto alto, sempre pintados de branco.
Multiplicidade básica da utilização da linguagem: ordenar algo a alguém ou fenômenos da natureza; apresentar ou propor algo, descrever um elemento ou objeto, narrar um acontecimento, conjeturar hipóteses, idealizar, mentir, mentir muito, inventar, mostrar manifestação de gratidão e exprimir. Animais empregam comunicações visuais, químicas e sonoras por coações adaptativas. Não estou afirmando que um Sabiá-laranjeira possa pedir uma pizza. A economia linguística Dar nome as coisas é etiquetar. Alguns anfíbios podem expressar agressividade ou galanteio apenas invertendo os padrões dos sons emitidos. Um Rouxinol pode memorizar em média 600 padrões distintos de canto. Aparentemente, quanto mais uma espécie imita ou se permite imitar o som de outro grupo, maior a complexidade dos padrões observados. Imaginem cetáceos expressando conceitos naturais, emoções tão complicadas como levar a mão no bolso e descobrir que sua carteira não está lá ou discar 138 e aplicar um xaveco virtual, sensações íntimas como privação de sono, isolamento do baleal, crise existencial; que flertam com a gramática.
A multiplicidade da linguagem apenas define pontos dentro e fora da edificação de um espírito* atuante da rigidez da consciência. Se faz necessário um córtex hipertrofiado e complexo para fornecer valores idealistas a seres conscientes e fora de uma moralidade, Estado ou civilidade?
Por que, então, a humanidade não há muito tempo se extinguiu durante grandes diálogos ou conversas inconscientes? Por que apenas um número bastante pequeno de SERES deixam de existir pelo motivo de não saber lidar ou sublimar o diminuto de viver? Por que a cognição lhes dá mais do que eles podem carregar? Ou descarregar? Fato sólido: a maioria das pessoas aprendem a salvar-se artificialmente, não lidando com you-know-who, limitando o conteúdo da consciência.
Não há conhecimento ou meditação
Não há mantras em repetição,
Nem o discurso ou direção
Objeção na prelação
Seiva anêmona sob hipersecreção
Nenhuma raiz ou flor, nem ramo ou semente,
Sem árvore, pétalas ou fruto nascente.
Lugar, esse, não há dualidade
Bondade ou maldade
Nenhuma verdade procurando sanidade
Nem pecado ou enfermidade
Não há dia ou noite pondo em herdade
Há resplendor: ângulo, íngreme, húngaro
Vândalo, êxodo, síndrome, lábaro
Ávido, pálido, translúcido, fígaro
Fígado, em metástase.
O imperfeito não é profundamente buscado no condicionamento mental, porque o condicionamento mental atinge indivíduos intimamente vulneráveis e compassivos às dores da raça humana em virtude do que está fora do alcance de nossa ação. Essa característica denota, em particular, a presença de um comportamento ancião de desmoralização. Uma espécie de humilhação patológica onde as ideias intermináveis e perenes são a força geradora da realidade material e que destilar o objeto até atingir o maior grau de pureza é um objetivo terminal para a conduta moral superlativa. Um estado de excelência para humanidade.
Não, não teremos sugarcoat por aqui.
Um mangue é um arbusto ou pequena árvore que cresce em salinas costeiras ou água salobra. Os manguezais ocorrem em todo o mundo nos trópicos e climas subtropicais e nada mais são do que árvores tolerantes ao sal, ou seja, estão adaptados à vida em duras condições costeiras. Eles contêm um complexo sistema de filtração de sal e um sistema radicular para lidar com a água salgada por imersão e ação das ondas. Ainda, são adaptados às condições de oxigênio da lama encharcada.
Quando você dá mais espaço para o mangue, a tendência é de que a água salobra acentue as diferenças entre os micro-organismos e colônias que nela vivem. Mas o mangue é o acionador da capacidade criativa e ativa do micróbio. Quando você acentua o mangue, a água salobra ganha em aplanamento e submerge em criatividade e geração de fartura para a colônia. A lama é um caso clássico de censura aos manguezais do pensamento, por isso o pensamento da colônia fica improdutivo, miserável e repetitivo. Na realidade, temos um pensamento insignificante, medíocre, anódino, estúpido e medroso. O sal, aqui, tem conteúdo moral baseado em inversão de valores. Explora a ignorância do coletivo. Torna a violência ordinária e somatiza deficiências pragmatistas da colônia.
Os pântanos dos manguezais protegem as áreas costeiras da erosão de políticas públicas. Os micro-organismos são a vitória numérica. São a vitória da contradição. Do achar e dar por certo. Do pergunte-ao-colega-ao-lado. Nunca do pesar, pensar e, por um instante, considerar.
Os antimoralistas não querem que você se olhe no espelho e veja as semelhanças calamitosas com o demônio.
Quem tem dúvida, leu pouco. Quem tem certeza, leu apenas o prefácio. A pergunta não existe para estabelecer a verdade, mas para buscá-la.
Quantos jovens brilhantes ultra graduados, decididos e diligentes formados em faculdades reconhecidas pelo MEC têm exigido empregos em organizações de alto potencial, prometendo que trabalharão duro para gerar capital que lhes permitirá se aposentar e buscar seus verdadeiros interesses confusos quando estão com trinta anos e contando? E quando chegam a essa idade, eles têm grandes prestações, crianças em escolas particulares, casas na periferia que exigem pelo menos duas horas em um trânsito cáustico e uma leve sensação de que a vida não vale a pena sem um provedor via streaming, anticolinesterásicos importados e autocracia da vontade egoísta. O que eles deveriam fazer? Criar cabras? Questionar oligopólios, nações, impérios, alegorias e prestar atenção nas águas dos córregos? No vento balançando folhas? A humanidade, mesmo quando experimenta o pleno prazer, não está satisfeita, porque teme que esse sentimento possa logo desaparecer e deseja intensificação. As pessoas são libertadas do sofrimento não quando experimentam esse ou aquele prazer transubstancial, mas sim quando compreendem a natureza em totalidade de todos os seus sentimentos. Sem papinho de meditação budista. Na meditação, você deve observar de perto sua mente e seu corpo, testemunhar o surgimento de todos os seus sentimentos, e perceber quão inútil é persegui-los. Não seria mais interessante apenas parar e viver em vez de fantasiar?
Nossos primos chimpanzés vivem em pequenos bandos em dezenas, e têm sido assim por mais de 800 mil anos. Eles formam laços de amizade, cooperam em caçadas, traçam planos contra babuínos e chimpanzés petistas. Dinheiro, status social, coupés envenenados, cirurgia plástica, casas bonitas decoradas com Silestone, posições poderosas em uma estrutura social subdesenvolvida. Por que não há uma civilização Homininae almejando palermices? Porque nossos primos não dominam a ficção. Não constroem concepções filosóficas embutidas mistificado pelo mal em seu dualismo. Vassalos tributários humanos se ajoelhando diante de um rei monoteísta que bebe de irrealidade.
Capacidade da linguagem: planejar, evitar predadores e caçar grandes animais. Capacidade de transmitir sentimentos: grupos maiores com mais coerência e empatia. Capacidade de mentir descaradamente sobre coisas que não existem: comportamento social, psicanalistas enchendo o bolso com produções imaginárias, sistemas culturais e de crenças com valores morais duvidosos.
Quando os novos primatas desenvolveram redes de cooperação altruístas e involuntárias, o cerne sempre esteve na exploração. Escravos construíram campos de batalha onde escravos se digladiavam até a morte para suprir a ociosidade dos seus senhores. Assim, parece que a alma sapiens, transportada, transforma sua violência em si mesma, se não for fornecido algo para se opor a ela, e, portanto, sempre requer um objeto para o qual apontar e atirar. E vemos que a alma sapiens, em suas paixões, em seu código de Hamurabi, em seu Zoloft, inclina-se a enganar-se, criando um sujeito falso e fantasioso, mesmo contrário a sua própria crença arruinada diante de seu rosto.
Casta genética das abelhas: abelha-rainha, operárias e zangões. Claro que existem subdivisões como as polinizadoras, batedoras, limpadoras de favos, fazedoras de cera (sindicalistas)... Sociedades de melhor gestão pública, colônias organizadas, possuem maior longevidade, menor taxa de fertilidade por responsabilidade social; e não por queda da luxúria dos zangões. Mas qual é o ponto aqui? Até onde eu saiba, não fora identificado no genoma humano qualquer indício de sistema de castas.
Uma abelha diria que uma invenção tem a capacidade de ser enfeitada como o máximo poder abominável do imaginário. A verdade é fria, mas linda e abstêmia: abelhas morrem pelo bem da colônia. A mentira social humana tem sabor de fast-food.