Alvaro Giesta

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reúne-se com o poeta
o silêncio da noite

e com ela arde
e com ela rebenta a semente
como se fosse o fogo

o sangue arde-lhe nas veias
e estiola-lhe o cérebro

agarra a noite e a solidão
no punho da mão fechada

quando a abre
o silêncio expande-se à volta
de si

arde em fogo a noite que se adensa
à superfície do tempo

fecha-se a vida ao poeta
quando o dia amanhece

Alvaro Giesta (dois ciclos para um poema - “ciclo DOIS” acerca do Homem que perdeu a Luz)

Inserida por alvarogiesta

(...)
Enquanto poeta Alvaro Giesta, a liberdade da palavra, no uso poético que lhe é dada, permite-lhe, em O Retorno ao Princípio, filosofar acerca da morte. A morte, que é a garantia da ordem no mundo dos homens, que é o que concede o diálogo, pois, no mundo humano adquire-se a vida através da morte. Só, assim, a vida tem sentido.

A linguagem poética, neste caso na enfatização da morte pela palavra, não procura uma finalidade, uma explicação, não procura atingir algo, atingir um fim - isto, é para as religiões e seitas. Na linguagem poética a palavra não morre. A palavra, se morre, é para dar vida à palavra nova porque "a palavra é a vida dessa morte", como nos diz o filósofo Maurice Blanchot e o poeta Alvaro Giesta, num dos poemas iniciais de O Retorno ao Princípio.

A linguagem poética, neste caso na enfatização da morte pela palavra, não procura uma finalidade, uma explicação, não procura atingir algo, atingir um fim - isto, é para as religiões e seitas. Na linguagem poética a palavra não morre. A palavra, se morre, é para dar vida à palavra nova porque "a palavra é a vida dessa morte", como nos diz o filósofo Maurice Blanchot e o poeta Alvaro Giesta, num dos poemas iniciais de O Retorno ao Princípio.

(...)"

do posfácio ao livro O Retorno ao Princípio, de Alvaro Giesta

Inserida por alvarogiesta

do âmago do nada
existente
entre a penumbra e a luz,
evola-se
um halo
cálido
que afugenta o medo.

exala-se
um sopro no gesto
do ser,

um sulco de luz
transforma
o nada
em verbo.

acende-se
subitamente por dentro
do corpo,
a vida.

in O Retorno ao Princípio

Inserida por alvarogiesta

in memoriam

quando esquivas avenidas
e te embrenhas em becos escuros
e sórdidos, o teu olhar tem planos
inclinados e ruídos nas pedras gastas
da calçada que pisas escorregadias.

uma a uma marcas os passos
fugidios e as sombras em que te apagas
têm o quente oblíquo da desgraça.

miras os andrajos que te cobrem
nos olhos-espelhos baços das vitrinas
e ocultas as chagas do teu corpo
na fome que te apoquenta implacável.

acomodas-te no banco abandonado
no sossego inquietante do candeeiro
apagado que guarda o recanto escondido
do jardim onde te acolhes insignificante
sob um céu de estrelas despovoado...
de todos e de ninguém perdido.

habitam os teus olhos dentro, apagados
os braços de percursos inventados
no gélido tamanho do teu mundo
onde fictícias personagens
habitam o teu corpo esquecido.

és louco... um louco que desaprende
o que sabe na incongruência do tempo
que te habita nesta claridade cega.
perdes as asas e mergulhas
no esquecimento e na desgraça.

nada és na tua pele
e a errática nudez que te assombra
o cérebro, derrama a carne incendiada
por nostálgicas ruínas do tempo.

perdes os sinais e os dias
e o sentido da existência...
os deuses esquecem-se de ti
que te devoras no vírus da loucura.
numa inquietação lúcida de lucidez
entras em convulsão incendiária
à espera que te ilumine
um resíduo de sorrisos.

és um templo fechado na noite sibilante e florestal.
habita-te o sonho o vento e a solidão
a erva orvalhada e as pedras da calçada
onde pousas os passos esquecidos e ignorado.
pensas pássaros errantes nas sombras
abstractas da noite, enleias-te em catarses
fugidias do instante que te foge sob os pés.

fundes-te nos abismos do tempo
e de abismo em abismo te esqueces
de quem és.

© Alvaro Giesta, in "Muralha Inquieta"

Inserida por alvarogiesta

contundentes, as águas vivas elevam
o pendor até ao ventre
da abrupta escarpa;

esta penetra por elas adentro
até onde a transparência
rasga
o lugar da decisão.

ali, a pupila se dilata
e o bulício da sombra se transforma
em luz
saindo, por fim, da bruma,

qual visão do espírito
que se mostra do incorruptível tempo
do esquecimento.

regressa-se
finalmente
do lugar da espuma.

in "O Retorno ao Princípio"

Inserida por alvarogiesta

inclina-se o decadente tempo
para o ir das frias águas
onde misteriosa
e incógnita
é a sorte.

nessas fontes enigmáticas
a luz, antes intensa, deixa de o ser
e cai no esvaziamento.

é o tempo do inverno!
ali, nesse tempo, a matéria se nomeia
MORTE.

nessa permanência intemporal
permanecemos esquecidos
mas, em essência, somos.

*

desse tempo etéreo
pulsando
um halo se evola,

quando
a lucidez em indizível ciência
estremecida
traz da essência o ímpeto
que ressumbra desse húmus,

até aí ignorado.

ilumina-se a uma luz
intensa
essa penumbra crepuscular;

como na árvore,
que do cálamo em sono mergulhado
se acendem em flor os gomos
essenciais à VIDA.

in "O Retorno ao Princípio", Editora Calçada das Letras, 2014

Inserida por alvarogiesta

[diz o poeta que a melhor poesia se cria na ausência
e se sustenta na dor]

______

Dilui-se-me o cérebro na sulfurosa atmosfera
deste tempo...

sinto os beijos cruéis da cidade com riscos de luz
no olhar e atormentam-me os engates de tantas promessas
sem data a cumprir

Prometo-te, hoje prometo-te:
que voltarei numa noite sem lua
e nela construirei um luar de sonho e beijos
para te oferecer; depois
já não precisarás de prosseguir tão só a tua viagem...

o frémito que nos devora o corpo em escorregadios lençóis
de cama alugada em tardes fugidias
selar-se-à no mesmo espaço que une
a nossa manhã à espera da nossa noite.

Acredito nas ruas que ficam para trás do tempo
da memória de nós e no crepúsculo da sede
que rebenta à flor da pele como se fosse
um palácio erigido de novo a partir dos escombros
da velha casa quase caída

Entreabro os olhos... vejo-me essa velha casa apenas
ainda vestida de nada

Inserida por alvarogiesta

"O grande erro de quem cria, ou melhor, de quem pensa que cria por impulsos, é deixar-se levar pela febre de criar. É um perigo, para quem pretende fazer literatura (e até em prejuízo de quem poderia vir a ser um mestre no fazer literário, não fosse arrastado pela febre de criar), deixar que a onda em evolução, ou antes, em efervescência, o leve no seu ímpeto.
Perigoso - tão ou mais que deixar-se envaidecer pelo eco sem fundo e ensurdecedor (mas efémero, porque moda é o vão momento da exaltação) das palmas que se esfumam na breve aragem enganadora da tarde - é não dominar o ímpeto, é não adaptá-lo, com o rigor que o fazer literário exige, às formas do pensamento. Assim eu rasguei muita escrita, assim procedi, nesta azáfama constante e consciente de melhor fazer, ao expurgo dos excessos do ímpeto que me levou a escrever sem peso e sem medida."

© Alvaro Giesta (Aforismos)

Inserida por alvarogiesta

O Poema
(texto V)

Expande-se o fogo da montanha
quando o poema cresce álacre como um rio
de verdes águas e banha as paredes do tempo
com o orvalho duma primavera extasiada.

Adimos beleza ao verso mesmo que seja
negra a fonte onde se bebe
o fulgor da luz  se os dedos prenhes
de palavras plantarem a magia da noite
no lugar onde engravidam as frias glicínias.

Beija-se a boca na boca da noite
se a noite sangra
gentis flores selvagens  flores que
aos dedos dão o sabor dos sonhos
e às mãos o fervor da incandescente luz.

Coalha o luar frio no alto céu
se na terra se ergue a flecha no lugar da flor.

Inserida por alvarogiesta

SOBRE A CARTA DE ROWAN A GARCIA


Procure-se uma alavanca que faça mover
uma bússola para orientar
qualquer outro instrumento que faça parar,
que sirva de travão a tudo
quanto de ruim está a acontecer.

Uma alavanca que sirva para despregar
erguer
mover
arrancar...

Uma alavanca que arranque
tudo quanto está a atravancar
e a impedir
de crescer.

Outro instrumento qualquer
que sirva de travão e faça parar
o mal que impede o bem-pensar
como em proveito universal agir.

Uma alavanca que arranque
tudo
de ruim - mas mesmo tudo.

Se a alavanca vai fazer mover
o que está parado
pela preguiça de pensar
e falta de vontade em ser um dia...

...que o travão pare
o absolutamente inútil e fútil.

E que a bússola da responsabilidade
oriente e faça agir
como em Rowan para levar a carta a Garcia.

(in TRIPLO V)

Inserida por alvarogiesta

⁠sirvo a poesia como oração fria,
de joelho dobrado como se meditasse no altar.
olho o passado. rememoro-o
pela dureza do que nesse tempo fui;
profundo foi sempre o meu verso
na minha voz exaltada;

a minha canção errante teve voos de silêncio
e solidão dentro de mim.
teve uma morte vivida em vida sem brancos
lenços de adeus – por isso, assim me amo:
amo-me neste corpo velho, substância
do que sou e sempre fui.
não sou de equívocos e como Gamoneda,
digo:

«hei-de amar a minha própria morte» como quem
se ama em vida, na certeza de que
não sabe morrer, quem não reclamar a sua dignidade.
busco na pele (inconfessável) do poema,
a minha pele ungida à boca da palavra,
fruto desta eterna injustiça. lambe a minha boca
a língua inquietante de todas as sombras
que à luz devem a existência.
____________
AG (Metamorfoses)

Inserida por alvarogiesta

⁠o ‘silêncio’ das palavras
aquele silêncio
que ao indizível nos conduz como se
descêssemos ao vazio e dele
refulgíssemos em êxtase
ao encontro do místico puro e belo
“o puro e belo”

o que provém do longínquo tumulto
das sonoridades que afligiam mallarmé
(quão estranho e belo é esse mistério
do silêncio)

sem gritos sofridos conversamos com ele
no tumulto dos caminhos onde não há
sonhos perdidos nem desfeitos
somente a voz do silêncio
vinda da solidão das pradarias
_____________
AG (p/) TURFA

Inserida por alvarogiesta