Allan Caetano Zanetti
Saindo por sair
Marca meia-noite no relógio de um integrante
Do bar da Cidade Alta, local nada adequado
É irônico que a chuva apareça só no sábado
Após toda a semana com um clima radiante
O caminho que eu faço para voltar para casa
Nunca pareceu tão longo, tenso e perigoso
Ainda que mude a rota, dificilmente escondo
O quanto essa indefinição deixa-me nervoso
Saindo por sair, eu lhe visto em outras almas
Torcendo para que alguém toque no seu nome
Entendo que há meses mantemos toda a calma
No papel, visto que anseio que tu me chames!
Se eu consigo chegar, enfim, às seis da manhã
E visualizo a mensagem que deixaste para mim
Visivelmente emocionado, posso deitar em paz
Nós dois, um mais um, tem tudo para ser assim.
A patrícia e o plebeu
Ela aprecia concertos de música clássica
Batendo palmas como a gente particular
Fica em evidência nos grandes eventos
Atua com maestria na arte de dissimular
Ele é a majestade maior da boca do lixo
Possui, no bolso, somente alguns trocados
Como um sujeito simples, tem desgostos
Carrega consigo um fardo muito pesado
Dividindo a mesma rua, o luxo e a miséria
Evidenciam a incrível desigualdade social
Corremos sem parar, mesmo sem refúgio
Como quem pode previr seu próprio final
Ela ostenta as joias que mantêm um brilho
Os holofotes se voltam, a câmera é focada
A televisão transmite, retransmite e assim
A dama torna-se cada vez mais desejada
Ele está apenas tentando achar um abrigo
Na metrópole, há homens que viram cães
Quem sabe consiga realizar uma refeição
Com as migalhas que sobraram dos pães
Entre o marginalizado e a ilustre rainha
A maioria decide qual caminho escolher
Ignorando visões alternativas dos fatos
Parece que o importante mesmo é ter.
Detalhes do perfume
Gostaria de saber a origem daquele perfume
Que acaba na madrugada e volta na semana
Com o pensamento longe, sigo caminhando
Um tanto distante de todo o pessoal bacana
É que quando viajo sozinho no quarto escuro
Parece que tanta gente não gera a diferença
Que uma pessoa, apenas, pode fazer comigo
Esquecendo o orgulho e qualquer desavença
A multidão grita alguns sons desconhecidos
Está difícil de entender o que querem dizer
Se a minha mente não está no mesmo lugar
E eu termino mais um dia sem sequer saber
No constante aprendizado de novos ideais
Convenhamos que levar a sério é olhar a si
Percebendo o que a emoção diz, a razão ri
E que, ao final, ambas deixam os seus sinais
Se existe alguém, no mundo, que entende
O menor momento é deveras importante
Pois, se olhássemos juntos, repetidamente
Foram detalhes que trouxeram-nos adiante.
Dia a dia
Não dá para crer em liberdade
Estando trancado em uma jaula
Sem sentir o sol, a chuva, nada
Só peça no tabuleiro da cidade
Passam as horas, acaba o dia
O outro recomeça sem mudar
Diante desta cansativa rotina
Poucos têm chance de inovar
A maioria comemora na sexta
‘Sobrevivemos! Conseguimos!’
Mas a vitória seria no dia a dia
Fazendo o que confere alegria
Ir dormir tarde e acordar cedo
Trabalhar muito, ganhar pouco
Seguir o modelo da sociedade
Que faz do homem mais louco
Esquecendo as suas ambições
Preferências, ideias e emoções
Correndo dentro de um círculo
Estando recluso a um cubículo
Em subliminar, há a alternativa
Que envolve pessoas realizadas
Podendo escolher o seu destino
Com coragem em suas jornadas.
Peixe fora d’água
Sai de casa e habita quaisquer ruas
De uma cidade que agora é violenta
Observa a juventude sem propósito
Pensa no que dizer, mas nem tenta
Há feridas que tornam-se tatuagens
E há marcas de batom em seu corpo
Contemplando informações inúteis
Faltando muito para chegar ao topo
Conhece a música, a arte e a poesia
Ouve falar de chatice, tédio e rotina
Sabiamente deixa o relógio trabalhar
Uma hora a conversa fiada termina
Só Deus sabe o que irá lhe encantar
Tem uma moreninha metropolitana
Seu futuro ainda não foi descoberto
Sendo as mãos lidas por uma cigana
Ainda persegue a rota de esperança
Alternativamente o moçoilo acredita
Entre inúmeros indivíduos descrentes
Se ele é peixe fora d’água, que resista.
Cair noturno
Enquanto digito no meu teclado
Imaginando quaisquer pecados
Que um padre, por aí, perdoou
Estou certo de que ele já amou
Afinal a humanidade é uma só
Bem como cada ser é individual
Todos erramos e até repetimos
Fugindo de um lado intelectual
Aparências caem no cair noturno
Cada um demonstra o que ele é
A essência convive com o existir
Conheçamos ou não um Maomé
Ignorando os credos, seguimos
Com a força da bênção interior
A realidade nem sempre é dura
Basta uma reflexão a todo vapor
Olho a mim mesmo, me conheço
Todavia perco-me em pleno ar
Conspirando sobre o outro lado
Como um marinheiro sem mar
Não queremos dedos apontados
Precisamos de abraços de perdão
Somos sempre jovens insensatos
Apenas romancistas sem religião.
Mariana
Ela se sentou no banco com mais alguém
Era cedo, era dia, tudo bonito e colorido
As palavras que dizia soavam tão simples
Nem parecia a menina que havia partido
Voltou espiritualmente ao meu convívio
Sua presença sempre fez-se tão marcante
Fui enviado a um portal com algum amigo
Para reaproximar o que hoje está distante
A menina de antes agora já é uma mulher
Aparentando saber com clareza o que quer
Os olhos que lhe veem também são outros
Entre tantas partidas, permanecem poucos
Vagamente dorme-se em uma vida insana
Outrora pintura, viraste miragem Mariana
Em um absurdo de informações chegando
Sendo nenhuma sua, continuo imaginando.
Platonismo
Se fosse ela que estivesse lá
Ele não seria mais ele mesmo
Talvez fosse um cara melhor
Entretanto com outra cara
De revolucionário a conservador
...vejam o que causa o amor...
Ora tagarela, outrora quieto
Moço apaixonado e desequilibrado
O que se procura não se acha
Não quando se está procurando!
É de repente e é também irônico
Que ninguém molde o seu enfim
Com um passo fora da marcha
Tem quem continue esperando!
À beira de um colapso platônico
Sem colher a sua flor no jardim.
Amor de infância, primeiro amor, amor de verão, amor de Carnaval, amor de irmão... todas as formas de amor são válidas, o importante é que se saiba amar!
Filho do mundo
Sou filho do mundo e afirmo isto
Pois moro em uma cidade média
De pensamentos pequenos e não
Pertenço ao vão espaço de terra
Sou filho da Terra, mente aberta
Faço da pesquisa minha devoção
Tenho conterrâneos que se acham
E o que só busco é a informação.
As mulheres acham que são mais maduras que os homens, que ditam as regras de uma casa, que têm o poder da situação e que representam a evolução da espécie humana. Eu tenho certeza.
Conflito entre épocas
Procurei na internet e não encontrei
Dáblio, dáblio, dáblio me cansou
Tô louco dessa vida de internetês
Estudei gramática e agora esqueci
Distrações do passado já superei
Percebi quando todo mundo parou
Tentei compartilhar o meu português
Com elementos que partiram daqui
Mágoas e lágrimas se entrelaçam
Com um torpor oriundo do revés
Nuvens de chuva aparecendo no ar
Garotas e garotos sem ter reação
Veículos correndo que ameaçam
No plural, veremos filmes de Pelés?
Quem mora na praia, vive no mar
Outros, com a mídia, na manipulação
Quase proponho uma solução à crise
Lembro que falta água, luz, otimismo
Recolho-me ao meu devido espaço
Volto a fazer frases sem um sentido
Ouço de bebês atirando-se da marquise
Estudei História e o tal do feudalismo
Disperso-me em completo embaraço
Percebo que estou no presente partido.
Insubstituível
Nunca alguém poderá substituí-la
Visto que cada um de nós é único
Quem não conhece a história faz
Sempre os insuportáveis discursos
Enquanto padeço pensando nela
Chega um rapaz e diz-me de tudo
Fala, fala e não chega à conclusão
Só me resta que permaneça mudo
Pois ele diz que eu posso superar
Seguir vivendo, como todos falam
E eu ainda sonho com o rosto dela
Sonho do tipo em que todos calam
Vai ver atravesso uma fase ruim
A donzela da mente se apoderou
Ouço sua voz suave me chamando
Esqueço por ora se sou ou estou
Será que sou um devoto da utopia?
Será que a dama me cumprimentará?
Deito na cama e penso até dormir
A minha única certeza: ela estará.
(Des)conhecido
Há pessoas que só conhecemos realmente
Quando paramos de conviver com elas
E deixamos de ser importantes a elas
De modo que sejamos substituíveis
O amigo de outrora agora já não é mais
Tornou-se vagamente outro conhecido
Na falta de classificação adequada
Para preencher um espaço vazio
Quando os sentimentos não vêm à mente
Notamos que não adiantam chorumelas
E é natural que a vida feche janelas
Ainda que existam seres incríveis
Se tratando de tempo, pouco vira demais
Basta pensarmos em um mal-entendido
Que sem possuir uma decisão acertada
Tem a sua conclusão de um jeito frio.