Allan Caetano Zanetti
Estilo underground
O destino me pregou uma peça
Depois de todos os dias idos
Ele dizia: 'cara, vamos nessa!'
E eu me encontrava perdido
Nunca acreditei na hora certa
Lugar exato, algo a acontecer
Até minha mente estar deserta
Sem pensar, comecei a fazer
Música alta como som de fundo
Alma gritando, um barulho mudo
Silêncio nítido, mas esclarecedor
Colocamos mais fogo nesse calor
Gostei daquele estilo underground
Diversão, loucura, beer and sound
Óculos revelando uma outra visão
Olhares cruzando-se na contramão
Sem Carnaval, tocava a marchinha
Animando os fiéis amantes noturnos
Revelações íntimas nas entrelinhas
Palavras suaves, desejos absurdos
Pra que pedir desculpa por estar feliz?
Tente, ao menos, fazer alguém sorrir
Acabe a noite melhor do que começou
E, não se esqueça: a vida é um show!
Sufoco
Quando nunca tivemos algo
E temos medo de perder
Podemos estar agindo errado
Ao pensar, mas nada fazer
A ausência é também ação
Atrasando os fatos e fotos
Será que revelaremos ou não?
A quem nós somos devotos
Os velhos tempos se foram
Para sempre, sem discussão
Tudo se vai... uns a mais
Na inexistência de opção
Que cultivemos bons amigos
Sejam eles poucos, loucos
Mas que tenhamos um amor
Único e onipresente sufoco.
Caiu a ficha
Eu saí com ela depois de um tempo sem nos vermos. Conversamos, rimos, concordamos em muitas coisas e discordamos em outras. Ficamos horas nesta apreciação pura e mútua de um momento, até que chegou o instante em que ela teve que partir. Na ordem cronológica dos fatos, era só mais um lance a passar desapercebido pela maioria, mas o vazio que senti ao seu adeus foi bem perceptível para mim. Então, caiu a ficha: eu estava gostando dela.
Somos
Somos a ilusão da crença
E a desgostosa descrença
Somos à prova de amor
Não há escudo à dor
Somos todos, somos únicos
Somos bilhões, somos um
Cada qual, nada igual
Só mais um, bem comum
Somos número, somos um
Querendo ser dois, ser par
Ninguém vive no singular
Não sejas mais algum!
Somos o que rejeitamos
As escolhas desacreditadas
Somos falsos irmãos
Empunhando espadas
Somos mesmo sem sermos
O fruto da divina criação
Mas a laranja apodrece
E o corpo cai no caixão.
Às vezes a gente só acredita em uma situação no presente por sentir saudade de outra que foi boa no passado.
As pessoas e os computadores têm uma característica em comum: ambos costumam ir perdendo a memória com o passar do tempo.
Lembrança (até mais)
Ela tinha um jeito delicado de ser
Eu sabia que não me pertenceria
Mas não sabia que tão cedo iria
Me deixar, assim, bem disperso...
A cada lembrança, pingo de chuva
A cada lágrima, que cai como luva
Eu me perco no mesmo pensamento
Que sempre é o do nosso momento
Seria fácil se não tivesse sido nada
Eu sonhei e fiz tudo aquilo por mim
Por nós... foi um beijo e todo o fim
Cada um, então, seguiu sua estrada
No fundo, sei que nos encontraremos
Só a distância insistiu em nos separar
Nada durou pra sempre e nem durará
Quando nos vermos, que reação terá?
Eu quero olhar aqueles olhos mágicos
Desfrutar de novo do sorriso demais
Nessa história, não há nada de trágico
Ela também lembra. Eu sei. Até mais.
Dez minutos são tempo demais para quem conta até seiscentos, a mais para um paciente terminal e a menos para quem não percebeu que eles passaram.
Paixão e amor
A paixão é dispersa, o amor é concreto; a paixão tira o sono, o amor faz sonhar; a paixão é passageira, o amor é eterno.
Eu que não amo ninguém
Eu que não amo ninguém
Sou quem não sofre então
Pelos outros, ao menos, não
Sofro por mim, isso sim
‘Eu te amo’ é muito forte
Para falar para qualquer um
É por isso que não falo
Tenho gosto, amor nenhum
E não pense que é revolta
Algum insucesso ou desilusão
Eu até curto, isso não nego
Nunca recusei uma paixão
O amor é que é complicado
Ele enfraquece o coração
Nos preocupamos um bocado
E, no fim, só resta a solidão
Diga-me um amor bem-sucedido
Que lhe direi dez na contramão
A alegria é passageira, irmão
Leia isto antes de estar caído.
Teto blindado
Antes que eu me esqueça
Inicio com uma pergunta
Será que tu sabes como é
Tomar um banho de chuva?
É que quando sinto falta
Eu procuro satisfazê-la
Será que tu também sentes
Ou somente teces a teia?
A aranha, irracionalmente
Ela devora o seu par
Há gestos diplomáticos
E outros de se suspirar
Sob o teu teto blindado
Já me pus a declarar
Chamo alto, ninguém ouve
Quanto tempo a esperar
Não lhe julgo, pois saiba
Há magia em se ausentar
Nem estamos muito longe
A campainha pode tocar
A presença é um presente
A quem tanto aguardou
Eu até vejo nos vultos
O que ninguém apagou
Entre toda essa mesmice
Tu aparentas ser divina
Muito mais que passageiro
O seu impacto de menina
Pouca gente anda ao lado
Tanta gente anda por aí
Nas trilhas que percorres
Eu bem sei que tu sorris!
Ignorância moderna
Os telefones da nova geração são tão avançados que nos esquecemos que eles fazem ligações; a ignorância do homem moderno é tamanha que ele se esqueceu que pode pensar.
Nada pode ser mais doloroso, para a mente e para a alma, do que sentir a falta de alguém que se foi para sempre.
Eu interior
A beleza, quando imensa, parece absurda
Enxergada de longe, quase inalcancável
Ela é, na verdade, plenamente realizável
Pela alma, fruto do sonhar, do ser e do estar
De nada adiantariam mil vidas, todas elas
Sendo rotineiras, comuns e pouco vividas
Se o espírito não se elevar, o corpo é vago
Somente a imagem de aparência antiga
A esperança, embora forte, não sobrevive
Sozinha e sem a ambição de fazer o novo
Os atos, muitas vezes estranhos, estes dizem
O que todos buscamos e antes ocultamos
A ficha sempre cai, vem à tona, sem dó
É preferível que haja a chance do pior
Pois só assim a surpresa triunfa poderosa
Quando menos se espera, ela é generosa
Sejamos, então, gratos ao nosso eu interior
Não nos abandonou nas crises frequentes
Soube se mostrar grande e venceu o terror
Que poderia crescer permanentemente.
Sangue tóxico
Em pensamento já feri milhares
Em minha alma reina obscuridade
Se ser jovem significa se intoxicar
A juventude não pode me representar
Nenhuma droga me acalma
Nenhum vício me sustenta
Dispenso os falsos abraços
Prefiro beijos prolongados
Há quem ache prazer no veneno
Outros reclamam de tudo
Como se o destino tardasse
Ele decide bater na porta
Não há devedor para acertar
Nem a conta pode ser quitada
Diversas bocas querendo falar
Mas eu não quero ouvir nada!
Um sangue que contagia
A honra sendo confrontada
Um truque que parece magia
E várias famílias desabrigadas
Inferno é jogo, sofrer é treino
Juro que agora não mudo
Mesmo se me obrigassem
Sou eu que traço minha rota.
Otário
Máscaras caem a cada dia
A quem tu queres enganar?
Fazer o que queres da vida
Ou o que o sistema mandar?
Por que tu és revolucionário
Apenas no mundinho virtual?
Na rua, lhe chamam de otário
E tu ainda consideras legal
Venha ver a realidade, cara
Estagnado aí, nada mudará
Mude, ouse, falte uma aula
O seu medo poderá lhe custar
Na faculdade, tu és um cliente
Na família, tu és um ouvinte
Quando que podes opinar?
Ah, lembrei, tu vais ao bar...
Morena da cafeteria
Querida, para mim és sonho bom
Mesmo que possa parecer ilusão
Quando tu passas, lhe vejo bela
Imponente vulto, como em passarela
Adoro ir à cafeteria nas terças
Porque lá posso, enfim, encontrá-la
Adoro o seu charme ímpar ao andar
Que certamente não iria reinventá-la
Te vestes de preto, mas pareces anjo
Teu cabelo negro não dá-me espanto
És o nuance da noite, inspire-me
Apenas me olhe, que já é sublime
Eu sento à mesa e não peço café
O local é pretexto para lhe fitar
Eu fujo da aula e não quero voltar
Para lhe encontrar, deposito fé
Não exijo-lhe nada e nem deveria
A sua presença me confere alegria
Ainda que seja somente em um dia
És tu a morena da cafeteria.
Por trás de um grande homem, sempre há uma grande mulher; atrás de um homem excepcional, com certeza há mais de uma.