Allan Caetano Zanetti
Batida inexata
Eu a vi parada na sacada
Surpresa e sem ter reação
Dura e longa foi a jornada
Batida inexata a do coração
Exatidão não combina com nós
Números diversos e complexos
Sedento por um momento a sós
Geometria de ângulos retos
A chuva que me embriagava
Estava para mim somente
O sinal que ela me dava
Fazia germinar uma semente
Todos sabem o tempo todo
Quem eu quero ter comigo
Penso um pouco e discordo
Seremos apenas bons amigos
Julgo necessário este vazio
Tratando da questão subliminar
Preenchido estaria eu de frio
Sem a sua ternura neste lugar.
Leitura mental
Na noite em que eu te conheci
Lá no fundo eu sabia, sim...
Que não seria a última, não...
Nosso destino não tem solução
Sem apostar, o apostador perdeu
Quando esteve a sós consigo
Refletindo um pouco, percebeu
Dinheiro não confere abrigo
Um olhar do verde selvagem
Distante de tudo que já se viu
Ei, garota, estamos à margem
Da água límpida deste rio
Como se fizesse leitura mental
Sabe o que curto, segura a mão
Escute aí e não me leve a mal
Pirei em ti e não é alucinação
Um vencedor é dado por vencido
Quando entende suas vitórias...
Uma por uma, grandes glórias...
Como um rumo já percorrido
A conquista nunca tem fim
É o que seu sorriso diz a mim
Mesmo tendo-a por vezes, desejo
Como na primeira o seu beijo!
Revertério
Gametas que se cruzam e o aborto fatal
O avanço da ciência e o caos universal
A mesa farta, rica, a dinastia da nobreza
Uma imagem revelando a sua pobreza (de espírito!)
Um culto na sinagoga, crença em Messias
A descrença total de quem tirou tantas vidas
Nos campos de concentração, ali confinados
Crianças, idosos, mães, solteiros e casados
Que o revertério seja revertido em virtude
Que caia uma bomba atômica sobre o ódio
Noites mal dormidas sem o efeito do ópio
No terno dos malfeitores, alguma magnitude
O branco, o negro, o índio e o mameluco
Um relógio importado que parece caduco
Tempo incontável e tratamento diferenciado
De um ser humano cada vez mais desalmado
A oportunidade de ser oportunista e calculista
Está frequentemente ao alcance da nossa vista
Uma fantasia sem pudor chamada globalização
Com os desabrigados nas ruas de qualquer nação
Que o revertério seja revertido em sabedoria
Que caiam as tradições e ilumine-se a mente
Das pessoas comuns, gente como toda a gente
E então possamos ter de fato alguma alegria (será?).
Eu não estava lá
Quando Brasília foi projetada
Para centralizar todo o poder
Quando uma pedra foi lançada
E os incrédulos passaram a crer
Eu não estava lá...
Na hora errada, hora de falar
As palavras certas, poucas
Únicas, mas fora de lugar
Quando a Revolução foi inaugurada
Ameaçando o poder dos nobres
Quando uma bala foi projetada
Direto no coração dos pobres
Eu não estava lá...
Para conhecer o outro lado
Saber o que teria acontecido
Se fosse real e não inventado
A noite toda, o tempo todo...
É impossível para mim negar
O dia inteiro, desde acordar...
Nunca. Eu não estava lá.
Engenheiros do Hawaii
Solos de guitarra
Acordes de violão
Ao final da farra
Iniciada a canção
Arquitetura no vazio
Entre pontos suspensos
A inspiração e o feitio
Com um alcance imenso
Surfistas sem praia
Porto Alegre é aqui
Uma banda ensaiando
Engenheiros do Hawaii
Eles não quiseram
Eles não puderam
Ser comuns, normais
Escolheram ser irreais!
Conquistando migalhas
Passo a passo, no laço
Julgaram, sem embaraço
Todos aqueles canalhas
Talvez até tu ouças
Se tocarem por aí
Músicas tão belas
Engenheiros do Hawaii.
Vocês não me compreendem e me acham genial; eu acharia genial se alguém me compreendesse e não me achasse um tolo.
Misticismo
Um minuto de conexão
Cem anos sem explicação
Silêncio contido, disperso
Paz no sentido reverso
O que contém a letra M?
O que há por trás dela?
Misticismo e tudo treme
Na contínua passarela
Opções em transposição
No infindável rumo
Quatro ou um milhão
Eu encontro ou sumo!
Por que existe alfabeto?
Só enxergo uma agora
Sob outros olhos, perto
Distante, indo embora
Semelhança que atrai
Diferença que apedreja
Esperança que se vai
Coração que esbraveja.
Mesmo mundo
Frente a frente com o futuro
Sei que escrito ele já está
Cara a cara, pouco maduro
Sem conhecer o lado de lá
Uma palavra e duas traduções
Mesmo tema, várias concepções
Pouco habituado às mudanças
Reinventei-me nessas andanças
Cansado de encarar a perfeição
Fechei a janela da sua imagem
Beleza singela, não há tradução
Olhar de uma mulher: miragem
E se eu ainda ando sem rumo
É porque não aceito a direção
Muito nervosismo, pouco fumo
Insinceridade caindo ao chão
Possibilidades atraentes, duvido
Nenhuma poderia ser tão única
Tampouco seria um bom partido
Longe de ser a melhor música
Queria que meu silêncio calasse
Ele fala muito alto, estou surdo
Queria que de longe ela notasse
Ainda vivemos no mesmo mundo.
Mancha negra
Longe demais das catedrais
O sino não pode ser escutado
A cada súplica, mais e mais
Não tem razão o velho ditado
Mancha negra, ironicamente
Jovens criam um novo Papa
Ideias crescendo livremente
Há algo de errado no mapa
A tradição tão desrespeitada
Pode ter sua ausência sentida
Nossa geração, desesperada
Crê na ilusão que está nítida
Quando acaba esta tragédia?
Quem realizará o golpe final?
Qual o nome desta comédia?
Qual o seu lado: bem ou mal?
A madrugada e o seu delírio
Frequente imposição natural
Se a existência é um martírio
Que o paraíso possa ser real.
Carreira singular
Nasceste com a missão de ensinar
Uma dádiva do nosso Criador
Escolheste essa carreira singular
Que baita orgulho! Tu és professor!
O médico, o advogado, o cientista
Todos eles já passaram por ti
Sob qualquer ponto de vista
Não é por nada que estás aqui
Enfrentas dificuldades diárias
Nos quatro cantos da sala
Desde as séries primárias
Trazes conhecimento na mala
Tu me motivaste a pensar
Sem ti, o que eu saberia?
Para sempre irei lembrar
Mestre, a mim tu és alegria!
Não ria de uma criança quando ela disser que o que quer para a vida é apenas ser feliz, afinal os adultos sabem melhor do que ninguém o quão difícil isso pode ser, embora parecesse tão simples.
Nas calçadas de uma cidade, à noite, os piores pesadelos ganham forma. Sempre há alguém por perto, ainda que aparentemente você esteja sozinho.
Distração
Eu observo a pintura dela em outros quadros, vejo o seu rosto em outras pessoas e até temo olhar-me no espelho com a impressão de que ela aparecerá ali. Me distraia. Me perturbe. Me enlouqueça.
O estado mais completo de liberdade encontra-se na companhia de quem se gosta. Estar livre é também estar preso.
Nada espero de um povo que confunde politicagem com política e não se interessa por aquilo que rege a si próprio.
Às vezes eu penso que os pingos de chuva nada mais são do que lágrimas de Deus caindo sobre a estupidez humana.