Allan Caetano Zanetti
Chinelo sujo
Estávamos em uma noite vazia
Aquela que eu tanto aguardei
Ela se aproximou ao meu lado
Da mesma forma como sonhei
Bem-vestida, um odor exalando
E eu, num chinelo sujo de barro
Por vezes deveras me preocupei
Que de sua boca saísse o escarro
Mas com sua boca ela me beijou
Daquela noite para a eternidade
Alguns minutos e o telefone tocou
Sorriu-me, então, com sinceridade
Nós éramos bem diferentes, eu sei
Por um instante, ficamos tão perto
Desfrutando da brisa do amor puro
Nunca me esquecerei, isto é certo.
Soneto de Despedida
Distante deste mundo vão
Agarro as minhas memórias
Para me consolar elas estão
Não esqueço velhas histórias
Sinto muito mas nada sinto
A não ser uma longa saudade
Eu não te amo e não minto
Por mais que tivesse vontade
Amo o que foi e ainda fica
Como a cinza que incendeia
Meu sentimento não se explica
Perdão mas tenho que ir
Meu pensamento ainda é teu
O coração nunca te pertenceu.
Sociedade: raça louca
Nesta pirâmide social, inverteram-se os valores
A soberania impera pelas mãos de poucos
O controle da mídia te seduz e induz a acreditar
Enquanto que o governo cresce sobre os outros
Instituições milenares como a própria Igreja
Aparenta agora ser um atraente mercado
Você tem de pagar para praticar a própria fé
Caso recusar, pode estar cometendo pecado
Sociedade, sua raça louca
O inferno, se existe, é aqui
Crianças morrendo de fome
Políticos não estão nem aí (para você!)
Enquanto que milhões trocam suas mensagens
Em computadores, celulares, a falsa tecnologia
O dinheiro deles está indo para o poder de cima
Não ouse pensar que é o de Deus, seria ironia
Jovens pensam estar se divertindo nas festas
Se é "open bar", há a maior movimentação
Maior ainda é a cobertura dos jornais depois
Mortes no trânsito pela bebida, que comoção!
Sociedade, estupidamente louca
Você trabalha sem estar gostando
Ganha uma miséria e logo gasta
Mas fortunas continuam girando (e você não faz parte!).
Gaiola doida
O relógio parado
Fixado na parede
Não falta água
Só não tenho sede
A minha causa rara
Afirma-se em solidão
Sem perspectiva do amanhã
E o hoje sem a tal emoção
O velho sábio pensa
Indefinições que voam
Como pássaros embriagados
Sonhos que são lamentados
Nada é como outrora
O pôr-do-sol se extinguiu
Nunca pesquei naquele rio
Minha empresa já faliu
Antes de nascer eu previ
Na gaiola doida estaria
Segue então o rumo do baile
Fantoches em total monotonia
O meu esconderijo maior
Esconde aqueles sentimentos
Cada vez mais realçados
Num poço de lamentos
Não vejo as cores
Tal como elas são
O daltonismo cai
A luva serve na mão
Razão na pura emoção
Comoção sem sentir
Um amor que aflora
Na cova vou partir
Quase nunca nada
Jamais te conheci
Nada serei sem ti
Estrela da madrugada
Adeus ao navio negro
Leve todas as vítimas
Eu aqui ainda aguento
Mesmo sem carícias.
Mãe
Teve o dom da criação
Concebido por Deus
Enchendo de ternura
Os filhos que são seus
Carregou em seu ventre
Por longos nove meses
O fruto de seu amor
Provado tantas vezes
És diferente de outas mulheres
És única, guerreira e carinhosa
Dia das mães é todo o dia
Que se espalha a sua alegria.
Trilha sonora
Preenchendo as lacunas do vazio existencial
Oportunidades dispostas num mundo desigual
A realidade dividida entre o sério e o incrédulo
Na trilha do caminho que aponta para o certo
Nada cultivamos além de boas amizades
O resto perde-se ao vento e à trilha sonora
As sinfonias revelam uma outra condição
Acalmando os que jazem no clarão da aurora
Cumprimentes apenas de gesto suficiente
Sem mais delongas ou risos dissimulados
Estamos fadados a pensar como escravos
Vivendo como tal gente de toda a gente
Faças para ser recordado na história
Como alguém que marcou nos seus passos
Deixando um legado envolto em paz
O que é rico e nobre não se perde jamais!
Sala de espera
Na sala de espera, uma grande rotina
Quem são eles para sair da linha?
Fazem tudo certo, como o figurino
Sabem explicar o que é um alcino
Seu maior prazer é seguir as regras
Mas que raio de vida é essa?
Como robôs facilmente manipuláveis
Estão se tornando seres imprestáveis
De nada adianta entender a ciência
Se o mundo lá fora exige mais além
Corpos expostos na calçada, bala perdida
Um pobre infeliz é feito de refém
Compreendendo a razão de estar aqui
Concluo que posso estar sendo cético
Talvez meramente mais um crítico
Porém agradeço, pois sim, eu vivi!
Viagem à terra do nunca
Numa noite sem igual
Acho que fiz aquilo por mal
Sentimentos eram defasados
Sonhos, então, desacreditados
O acerto de contas veio
Um tanto tarde, eu sei
Risos estranhos haviam
Todos friamente sorriam
O caminho da podridão
Cada vez mais perto de nós
Estava tudo errado lá
Agora já foi, tanto faz
Tal viagem foi longa
Cheia de perigos do destino
A viagem à terra do nunca
Reservava algo mítico
Cenas de um amor patético
Que jamais serão apagadas
Aquele meio de transporte
Ainda percorre as estradas.
Palavras de amor não podem parar uma guerra, mas podem fazer refletir sobre o verdadeiro motivo pelo qual vale a pena lutar e, literalmente, viver.
Aquele teu olhar
Aquele teu olhar acendia uma luz na multidão
Diferente de todos os outros, continha emoção
O teu olhar era distante e também profundo
Me convidando a viajar pelos cantos do mundo
Palavras não podem expressar o que eu sentia
Sempre que me via dentro daqueles olhos
Eles falavam alto, com um sentimento puro
Pensando nisto, até fico meio paranóico
Todo o charme e a malícia em um gesto
Aparentemente comum na visão dos outros
Que olhar era aquele que me fazia ficar?
Cada segundo, pouco, um pouco mais louco
Aquele teu olhar é boa lembrança de se ter
Quando vivias para mim e eu para você
O mais sábio de todos terá de concordar
Se perde a razão envolvido naquele teu olhar.
Doce fera
Destrua o que te fizer ficar
Leve tudo o que puder levar
Esqueça aquilo que te falei
Velha Constituição, nova lei
Não foi difícil te encontrar
Nos versos de toda a canção
Uma rota alternativa a chamar
Jovens perdidos na contra-mão
O que escondes tu, doce fera?
Teu olhar de meias palavras
Ainda não terminamos nada
Meu dia é a tua madrugada
Pare! Não leia minha mente!
Ali chegaste tão de repente
Me perturba a tua certeza
Oh! Escondes uma rara beleza...
Quando as ondas do mar tocarem tua alma,
Entenda que é preciso ter calma.
E se o sol não vier amanhã, mesmo assim,
Quero ter você bem perto de mim.
O que há de belo
Não vá pensando que isso acaba
Ao final de mais uma batalha
De pequenas vitórias se leva a vida
Sua escolha não é predeterminada
O normal nunca fez muito bem
Reinvente os seus próprios padrões
Aprecie o que há de belo lá fora
Sob o pôr-do-sol, delire em emoções
O que fazia mal, tanto faz agora
Curta o tempo, não conte a hora
Passa rápido a estrela cadente
Boas pessoas chegam de repente
Seja otimista, acredite no melhor
É possível planejar o amanhã
Difícil é prever todos os dias
Céu e mar entrando em sintonia.
Sonho enigmático
A noite era gelada, sonhei contigo
Remexendo-me naqueles cobertores
Dentro de um filme sem atores
Por certo tempo, tu foste meu abrigo
Estávamos lá, no mesmo lugar
Professora sem nada a ensinar
Isso mesmo, que ironia, na escola
Tão distante, nem me davas bola
Lado a lado diante do subconsciente
Eu voltava meus olhos só para ti
Suas atenções eram a outro alguém
Não sei quem, mas algo ruim senti
O relógio andava muito depressa
E eu achando que ficaria contigo
Ao final de tudo, aquele espanto
Seria eu apenas mais um amigo?
Tu vieste até mim, eu sem reação
Admito que nada fiz imovelmente
Esperando qualquer palavra sua
Apenas veio o orgulho triunfante
Aceitamos tudo daquele jeito
Muito estranho, nada perfeito
O sonho enigmático me cegou
Por que, afinal, o tempo parou?
Havia lhe visto ineditamente
E não havia sido pessoalmente
A razão do fato é incerta
Só que deixo-lhe a porta aberta
O medo de perdê-la possivelmente
Um ciúmes barato, sem sentido
Fizeram do enigma isto somente
A prevenção do futuro indefinido
Se um dia leres estas palavras
Tente decifrá-las nas entrelinhas
Uma a uma, todas elas são para ti
Pois sonho em tê-la comigo aqui.
Um dia que nunca chega
Restos do amor traído ainda machucam por dentro
Vestígios do que sobrou do pecado mais original
Percorra um caminho e siga em frente, disse-me
Para errar novamente, tudo é exatamente igual
Não caio mais nessa conversa de dias melhores
Cansei de esperar por um dia que nunca chega
Temos apenas o presente e a hora certa é agora
Tentando acertar, na maioria das vezes se chora
Nas situações ímpares da vida, dá-se um contorno
Com serenidade e sintonia neste clima tão morno
A chama da vitória ainda está acesa, é preciso crer
Mas nem sempre a intuição induz ao certo escolher
Desistir não é opção para as almas elevadas ao céu
Cai-se mil vezes e levanta-se o dobro se for preciso
Andando pela escuridão, à noite, pensamento longe
É possível endoidar ainda que repleto de puro juízo!?
Sorria!
Você sorria quando era novo
Das brincadeiras que fazia
Das novidades que descobria
Cada dia mais, você sorria
Você sorri quando pensa de novo
Começa a planejar os seus sonhos
Pensa que vai melhorar um pouco
Levanta mais forte de outro tombo
Você sorri quando faz o novo
Quando então encanta a todos
Uma ideia genial, nada igual
O mundo é só seu, é do povo
Você sorri agora de novo
Aquele sorriso verdadeiro
Dispensando as palavras
Que beleza a sua cara!
Eles riem da sua cara
E você não tá nem aí
De tudo o que já vivi
Muito mesmo eu sorri
Sorria!
Você está sendo filmado!
Sorria!
Como um feliz apaixonado!
Passado
Você consegue olhar para si mesmo
Quando lembra do que ficou para trás?
O tempo não para, é um tiro à queima-roupa
Ferindo com a saudade um pouco mais
Paciência... o sol irá raiar novamente
Logo, então, a sua luz te fará renascer
Remexendo velhas fotos, se perde a mente
Na imensidão da lua, este é o seu ser!
Você consegue conviver consigo mesmo
Quando pensa no que deixou de fazer?
Embarcando numa viagem só de ida
Sem saber lidar com a dor da partida
Adeus... a vida não permite ensaios
Um novo dia nunca será igual...
Aquele agora tido como fenomenal...
É apenas passado! Se foi. Acabado.
Nada faz sentido
Falar contigo sem poder te tocar
Olhar tua boca sem poder te beijar
Fazer tantos planos para poder te ver
Pensamento longe, não tanto como você
Oh! Veja como o dia está lindo!
Mas sem você, é só mais um dia
A tua presença me traria vida
Longe de ti, minha alma agoniza
A cada segundo que passa devagar
Sinto tua falta em qualquer lugar
Nada faz sentido, este é o perigo
Não faz sentido sem contigo estar
Quantas vezes andei sem rumo...
Buscando o teu rosto entre muitos
Quantas vezes esperei sem sucesso...
A tua chegada ao meu Universo
Às vezes, imagino um mundo novo
Tão particular quanto os sonhos
Eu e você de frente para o mar
Contemplando o infinito singular
Só que nada faz sentido agora
Lembrando de você a toda hora
Apenas uma oportunidade quero ter
Para dar sentido ao que sinto por você!
Velhos gibis
Quanto os gibis me entretinham? Demais!
Histórias de um mundo distante do real
A realidade confundindo-se à fantasia
Toda história inevitavelmente tem final
Seu nome, inesquecível, remete aos meus gibis
Aqueles quadrinhos infantis, um tanto cômicos
Tanto quanto foste infantil, sem o meu aval
Sua turma é toda fria, como você, é natural
Os velhos gibis alimentam a minha fogueira
Criada por eles mesmos, ingratos que foram
Nem ao menos deram "adeus", então que morram!
Enganaram-me por meses, foram uma besteira
Hoje são apenas restos que o lixo renegou
Que decepção, então, a quem muito os amou.
Duas pessoas não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, mas podem compartilhar um sentimento em comum.
Declaração de amor
Às vezes esqueço que gosto de ti por um instante e então lembro que te amo. Passa pela minha cabeça a ideia de como as horas passam depressa na tua companhia e, sinceramente, não consigo entender. Da mesma forma como não compreendo como o teu jeito tímido e diferente pode ter me encantado tanto. Ah! E as minhas besteiras? Puxa vida, como você repetia as maluquices que eu dizia com entusiasmo e tirava sorrisos sinceros do meu rosto! Afinal, como eu poderia não sorrir? O teu abraço, para início de conversa, me deixou com a sensação de estar protegendo o mundo todo por um momento, tamanha foi a sensação de segurança. Provavelmente eu estava, na verdade, protegendo todo o meu mundo, que era você, envolvida em meus braços. Não temos o dom de saber o que ocorrerá no futuro, mas ficaria plenamente feliz se você pudesse imaginar o quanto que tem me feito bem e me cativado a cada dia mais apenas por existir. Eu penso em ti até quando prometo parar de pensar um pouco. Minha querida, eu te amo.