Alice Ruiz

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minha voz
não chega aos teus ouvidos
meu silêncio
não toca teus sentidos
sinto muito
mas isso é tudo que sinto

Frase que é frase termina com um ponto. No máximo...

Milágrimas

Em caso de dor ponha gelo
Mude o corte de cabelo
Mude como modelo
Vá ao cinema dê um sorriso
Ainda que amarelo, esqueça seu cotovelo
Se amargo foi já ter sido
Troque já esse vestido
Troque o padrão do tecido
Saia do sério deixe os critérios
Siga todos os sentidos
Faça fazer sentido
A cada mil lágrimas sai um milagre

Caso de tristeza vire a mesa
Coma só a sobremesa coma somente a cereja
Jogue para cima faça cena
Cante as rimas de um poema
Sofra penas viva apenas
Sendo só fissura ou loucura
Quem sabe casando cura
Ninguém sabe o que procura
Faça uma novena reze um terço
Caia fora do contexto invente seu endereço
A cada mil lágrimas sai um milagre

Mas se apesar de banal
Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal do sal do sal
Sinta o gosto do sal
Gota a gota, uma a uma
Duas três dez cem mil lágrimas sinta o milagre
A cada mil lágrimas sai um milagre

(Música: Itamar Assumpção)

Ser feliz ou não, questão de talento.

Atenção: Essa vida contém cenas explícitas de tédio. Nos intervalos da emoção.

Teu corpo seja brasa. E o meu a casa que se consome no fogo.

Eu vou tirar do dicionário

A palavra você
Vou trocá-la em miúdos
Mudar meu vocabulário
E no seu lugar
Vou colocar outro absurdo
Eu vou tirar suas impressões digitais
Da minha pele
Tirar seu cheiro
Dos meus lençóis
O seu rosto do meu gosto
Eu vou tirar você de letra
Nem que tenha que inventar
Outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
Com quantos "nãos" se faz um sim
Eu vou tirar o sentimento
Do meu pensamento
Sua imagem e semelhança
Vou parar o movimento
A qualquer momento
Procurar outra lembrança
Eu vou tirar, vou limar de vez sua voz
Dos meus ouvidos
Eu vou tirar você e eu de nós
O dito pelo não tido
Eu vou tirar você de letra
Nem que tenha que inventar
Outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
Com quantos "nãos" se faz um sim

Que tudo seja leve de tal forma que o tempo nunca leve.

sinal de batom

este sinal de batom
num guardanapo
pode bem ser de um beijo
mancha num trapo
pode querer dizer nada
ou então dizer
que eu te aguardo
a boca num pano mudo
papel que faço
desejo pano de fundo
que eu disfarço
dor que nem bem se escondeu
e ninguém vê
ou só eu
e alguma tarde
você

o vento passou
restou apenas
o aceno das árvores

Já notou que eu te amo ou você pensa que toda vez que eu ligo é por engano?

Agora

agora sim
tenho a morte na alma
e a vida nas mãos

haja ou não
um você aqui
agora estou só

agora sim
o que sobrar de mim
é meu

agora não há mais dúvida
pagando todas as dívidas
me livrarei deste eu

este agora que me escapa
me inaugura e funda
outro eu que vai pro mundo

outra dor que vai a furo
outro agora ainda mais fundo
por um segundo mais claro

agora é claro
que seja escuro

"Era uma vez
uma mulher que
via um futuro grandioso
para cada homem
que a tocava.

Um dia
ela se tocou."

Sempre me restará amar (...) Amar não acaba. É como se o mundo estivesse a minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera.

"olhar para o mar
não é o mesmo que velejar
mas dá pra viajar"

se eu não fosse poeta
você entraria em mim
para ficar solto
em algum lugar
da lembrança
em vez disso
nada digo
e você fica preso
dentro do meu verso

Alice Ruiz
Dois em um. São Paulo: Iluminuras, 2008.
Inserida por AAndre08

⁠Filosofia Atual; Filosofia de Quintal; Dadaísmo; Suprarrenais e Autores. Crônicas insípidas das moedas dos seringais. Terno e gravata. O rei do Horizonte além de nosso paraíso fiscal. Nos ajude, Oh senhores. Me ajuda, Oh pai.

Inserida por usonome