Alessandra Horta
Em meus apelos atrevidos
loucamente acordastes.
Com febre.
E enquanto delirava,
suavas em meu ventre dourado.
Sou a Lua,
a namorada do Sol
que fica vagando,
esperando
um pouquinho da manhã,
só pra te ver passar.
Gargalho como a hiena.
Sou urso
e hiberno palavras
quando percebo
ouvidos realmente moucos.
No exato momento,
sou pássaro preto.
Tento colher sementes
na flor que inda não brotou.
Talvez eu seja impaciente,
ou talvez meu adubo
não seja o melhor.
Vejo no céu uma estrela pequena e solitária.
Ela está triste e ninguém vê.
Vejo-a tentando brilhar, reluzir, irradiar luz e calor.
Mas não consegue, porque está triste e só.
Ela se sente um grão de areia, e não uma estrela.
Portas abertas,
sala fechada
e quarto vazio.
Passo frio!
Procuro o cobertor,
mas acho
que se perdeu no tempo,
com o vento.
Procuro o alimento,
mas não há
como fazê-lo,
ou conservá-lo.
Nem a maldita cerveja!
Procuro a TV,
procuro o PC,
mas não encontro.
Só encontro o vazio.
Reviraram o lixo.
Muitas coisas
foram reaproveitadas.
Sorveram as latas,
as pets.
Papéis, brinquedos,
e até o resto de comida
que ficou esquecido.
Só não sorveram
a alma de quem,
cuidadosamente,
recolheu
e separou
as migalhas.
Como o tempo
come o tempo
que passa
tão rápido
e não chega
nunca.
Deliro no vento
desse tempo
que corta,
sangra,
arde
e não sara
ou estanca.
Queria o tempo
do vento forte
que me arranca,
me arrasta
e me faz voar.
No tempo....
A linha é tênue, como eu.
Os afagos não são gratos,
nem os amassos
apertados.
Ando em pedaços
descalços
no asfalto.
Escalo montanhas,
arrasto trilhos,
carrego ninhos.
E ao mesmo tempo
em que brilho,
me ofusco.
A linha continua tênue, como eu.
Assola a melancolia inexplicável.
Solidão, saudades, medo.
Mente e coração fervilham,
se embaralham e se confundem
num emaranhado,
num nó de marinheiro.
A porta se abriu e o tempo fechou.
Nuvens escuras encobriram o céu,
fortes raios fizeram estremecer
a terra firme.
A tormenta atravessou o corpo que tombou.
O sol não brilhou, o vento não arrefeceu.
Plantas murcharam, folhas secaram.
Foi a chuva que não caiu.
A chuva que eu pedi, veio.
Encharcou a terra, alagou o chão.
Afogou a alegria em pequenas
doses de frio e olhares fechados.
A seca não foi suficiente.
Voltei feliz, embora cansada.
O trânsito era infernal,
mas me deixava ver as vitrines.
Me ative às de lingerie,
pensei numa camisola nova.
Viajei pela janela molhada
e turva da chuva fraca
imaginando a sedução da seda.
Te vi, meus olhos sorriram.
Leio um livro em branco.
Sem letras, sem palavras.
O discurso é reticente
e não me diz nada.
Não diz nem cala.
Ainda é forte o gosto.
Sorvo e sinto
o movimento ensaiado,
mergulho cego.
Me embebo em lembranças,
me afogo no orvalho frio
da noite de espera.
O que dou, sinto e sou
tenho de volta
em doses homeopáticas
de florais.
O que preciso mesmo
é de uma boa injeção de morfina!
Que julgassem
meu amor,
meu sonho,
e minha alegria,
mas não cortassem
a felicidade
com a lâmina afiada da mentira.
Porque em meus passos cambaleantes
ainda sou verdade.