AilaSampaio
Não tenho asas, mas tenho sonhos e, dentro deles, cruzo os espaços e transponho as distâncias, matando as saudades e vivendo os desejos que a realidade interdita.
Quando meus sonhos adormecem, um anjo sempre me acorda e me dá as suas asas para que eu não desista de voar.
Eu voo de asas quebradas, mas voo; não desisto de enfrentar as nortadas. Sou carregada pelo vento, despedaço-me contra os rochedos, caio no mar, e saio a nadar... Renasço todos os dias, os pés fincados no chão, sob a égide de um novo tempo, reinventando a vida e seguindo... A poeira que fica na alma
dissipo em poesia...
Não jogo mais o cabelo pro lado esquerdo nem pinto a boca de nude pra não manchar a tua camisa... tudo esgarçou feito tecido vagabundo. Agora só uso cabelos curtos e batom vermelho pra espantar os pensamentos sem cor que ficaram.
Não adianta impor interditos aos meus sonhos, com portas lacradas e fechaduras sem chave... as minhas vontades atravessam paredes!
Atitudes grosseiras são como pancadas no corpo... a diferença é que os hematomas ficam na alma e não na pele.
Sinto-me tão sem mim quando me faltas, que durmo e acordo pensando que já morri!
Do livro DE OLHOS ENTREABERTOS
Minhas dores, guardo todas no porão da antiga casa. Padecerão de abandono na minha coleção mais bizarra, mas nunca de esquecimento.
Desinteresso-me fácil pelas coisas muito difíceis. Tamanhos e larguras de que as minhas mãos não dão conta, lonjuras que os meus olhos não alcançam, são apenas motes para a minha poesia. Gosto mesmo é do palpável, do possível, do que se pode prender num abraço.
Vesti um sorriso para receber-te, desarmada como um guerrilheiro rendido, mas vieste como para um combate. Fugi à luta por princípio: no amor, se houver disputa de poder, a batalha já começa perdida.
Lembrar de não esquecer a hora de sair de cena, o chá de hibiscos antes de dormir. Lembrar de esquecer os pés na bacia de água morna e a velha mania de sofrer por tudo. E as saudades...aonde colocá-las quando escancararem suas portas e ganharem minhas ruas, minhas interditadas ruas ladrilhadas com lembranças de dias nublados e covardias?! O que fazer com esse amor moribundo que não morre nem vive?!
Ex-amores devem ser como verbos no pretérito perfeito: um passado consumado, afinal, recaídas são como filmes já vistos: o enredo é previsível e o final já é bem conhecido.
Há dias em que o coração acorda saudoso, como se a neblina do tempo pusesse penumbra pelas frestas da janela. Não há tristeza, tampouco desespero. Há, sim, o mormaço dos momentos vividos transformados em lembranças... há a memória trazendo de volta o que foi bom e deixou pegadas leves no coração.
O tempo alonga o nosso pavio, diminui as inseguranças das nossas mãos, coloca menos grau nos espelhos. O tempo diminui o nosso fogo, põe rugas em nossa testa e coloca lentes em nossos olhos. O tempo faz e desfaz sem pedir licença... é generoso e tenebroso. Depende do lado que a gente olhe.
Talvez um dia nem seja preciso falar: ele já adivinhe. Pode ser também que, de outro modo, ele jamais seja capaz de ler o meu silêncio. Nunca se sabe de que prerrogativas gozam os sentimentos, para que as palavras sejam desnecessárias.