Afonso Cruz
O meu pai só pensava em livros (livros e mais livros!), mas a vida não era da mesma opinião, a vida dele pensava noutras coisas, andava distraída, e ele teve de se empregar. A vida, muitas vezes, não tem consideração nenhuma por aquilo que gostamos.
O rés do chão não serve à literatura. Está muito bem a construção civil, é cómodo para quem não gosta de subir escadas, útil para quem não pode subir escadas, mas para a literatura há que haver andares empilhados uns em cima dos outros. Escadas e escadarias, letras abaixo, letras acima.
"(...) Não há nada mais estúpido do que amar incondicionalmente como fazem os cães e aqueles dois que o Shakespeare imortalizou"
Viver não tem nada a ver com isso que as pessoas fazem todos os dias, viver é precisamente o oposto, é aquilo que não fazemos todos os dias.
Dizem que um homem vendado, se lhe pedirem para caminhar em linha reta, anda em círculos. Porque é que o homem anda em círculos quando fecha os olhos? É um mistério, dizem, mas o homem de olhos fechados caminha para dentro. E o tempo também se dobra, também não anda a direito. O tempo é como um homem de olhos fechados. No fundo anda tudo aos círculos, desde as recordações às histórias. Tudo acaba por se dobrar, um dia.
Não me quero sobressaltar como quando era jovem. Uma pessoa só pode ter paz quando está ao pé das mesmas coisas, quando nem repara nelas, porque elas já fazem parte de si, como se as tivesse comido e mastigado e engolido e agora fossem carne da sua carne e sangue do seu sangue. Só somos felizes quando já não sentimos os sapatos nos pés.
O tempo não nos separa, somos no presente uma face do passado, um novo ângulo do que já aconteceu.
A vida eterna depende do amor dos outros, são eles que escavam a terra com as suas unhas e nos salvam do lugar frio e amorfo a que todos fomos condenados.
A solidão deve ser a única emoção que não conseguimos partilhar, se o fizermos ela desaparece.
A primeira palavra é a palavra mãe, é essa que todos dizemos pela primeira vez, semelha-se à primeira respiração. Quando a dizemos, reatamos o cordão umbilical.
Encontramo-nos no infinito como fazem as rectas paralelas.
O mundo é muito mais compacto quando não sabemos o que se passa à nossa volta. É uma coisa portátil que carregamos connosco para onde quer que andemos. Por outro lado, quando se revela para lá das esquinas, quando tem uma paisagem, torna-se difícil de suporta. Demasiado grande para a gaiola onde vivíamos.
A nossa velhice atrai o tempo, ele passa por nós com mais intensidade, abrindo rugas ao deslizar pelo nosso corpo. As rugas são as feridas do tempo, por vezes tão fundas que chegamos a morrer de velhice.
Só me satisfaz o infinito.
As palavras mais fortes são poemas.
As palavras também crescem, como as árvores, e vão mudando de significado ao longo da vida, começam por querer dizer uma coisas e acabam por dizer outra.
Ninguém quer manter-se igual para sempre e até as lagartas começas a voar, um dia.
Ninguém parte, tudo o que fazemos é regressar.
As palavras ditas baixinhos têm um significado mais bonito.
São precisas duas asas para voar.
Gostaria que houvesse um cerebeleiro, um homem que penteasse pensamentos, cortasse memórias, alisasse as ideias.
Os caminhos são mais longos para quem está sozinho.