Adriana Falcão
Saudade é só uma forma
De sentir o amor pelo avesso
Paixão é quando apesar da palavra 'perigo' o desejo chega e entra...
Amor é quando a paixão não tem outro compromisso marcado. Não. Amor é um exagero... também não. É um 'desadoro'... Uma batelada? Um exame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego? Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor não sei explicar."
E foi mesmo na frente da igreja que a vida de Antônio deu uma volta medonha, pois, no que viu Karina, seu coração disse pra sua cabeça, vá, e sua cabeça disse pra sua coragem, vou, e sua coragem respondeu, vou nada, mas sua boca não ouviu e beijou Karina bem ali, no meio da praça, e a boca de Karina não disse não, e nem poderia, pois estava por demais ocupada.
Daí pra frente se sucederam muitas noites de festa e muitas outras de desgraça tanto no coração dele como no dela, pois a graça do amor é justamente esse emperrado. Quer, não quer, pode, não pode, quer mas não pode, pode mas não quer, um passa a querer o que o outro desquer e esse só vai querer novamente com a desquerência do outro. O fato é que, foi, não foi, Karina e Antônio foram destrocando juras para lá e para cá, cada vez mais muitas, e Nordestina acabou se acostumando com aquelas palavras de amor passeando pelas ruas até não sei que horas da madrugada.
O nome de Antônio e Karina passara a só andar juntos na boca do povo. Lá vêm Karina e Antônio, lá vão eles. A palavra sempre lhes servia de acompanhante. Os dois não se afastavam nem nas frases, nem nos cantos, nem mesmo no pensamento. Seus olhos também não se afastavam nunca, os dele dos dela, os dela dos dele, nem as bocas e nem as mãos. Os pedaços de um foram descobrindo os pedaços do outro, por partes, até chegar a hora em que cada pedaço de um conhecia o outro inteiro. Karina nunca tinha visto isso nem em filme. Não daquele jeito. Antônio também desconhecia esse negócio que dá dentro da pessoa nessa hora. Um negócio que só tem vantagem, uma atrás da outra, e bastam apenas dois para senti-lo, mais nada, podia existir coisa melhor na vida? Na noite em que Antônio e Karina viraram um só de vez, quando todos os pedaços dos dois, sem faltar nenhum, se ajeitaram num mesmo espaço, e as duas bocas, enquanto separadas, murmuraram bobagens importantíssimas, e os dois pensamentos conheceram juntos lugares que não existem, coincidiu que a lua também estava cheia. E se a lua estava cheia, a noite também devia estar se sentindo o máximo.
Começa, e vai, se envolve, e sonha, e cai,
e chora, e sofre (e como), não para,
vai em frente, acredita, não recua, representa,
e dança, e pula, se diverte, desaba, que agonia,
não desiste, se levanta, recomeça,
olha o riso, se aventura, não adianta,
se entristece, se arrepia, se emociona,
e, de repente,
sem aviso,
é o fim,
e acaba tudo.
(...)
Nunca mais vou me apaixonar na vida.
Mas posso mudar de idéia.
Todo domingo é meio lembrança, meio começo, meio cansaço, meio maçante, meio preguiça,
meio esperança.
Mix de sentimentos
MUITO é quando os dedos da mão não são suficientes.
POUCO é menos da metade.
AINDA é quando a vontade está no meio do caminho.
LÁGRIMA é um sumo que sai dos olhos, quando se espreme o coração.
AMIZADE é quando você não faz questão de você e se empresta para os outros.
VERGONHA é um pano preto que você quer para se cobrir naquela hora.
SOLIDÃO é uma ilha com saudade de barco.
ABANDONO é quando o barco parte e você fica.
SAUDADE é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue.
LEMBRANÇA é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo.
AUSÊNCIA é uma falta que fica ali presente.
TRISTEZA é uma mão gigante que aperta seu coração.
MANIA DE EXPLICAÇÃO
Era uma menina que gostava de inventar uma explicação para cada coisa.
Explicação é uma frase que se acha mais importante do que a palavra.
Ela achava o mundo do lado de fora um pouquinho complicado.
Se cada um simplificasse as coisas, o mundo podia ser mais fácil, ela pensava.
Então tentava simplificar o mundo dentro da sua cabeça.
Simplificar é quando em vez de pensar em 4/8 a pessoa pensa logo em 1/2.
Um meio, quando é escrito em números sempre quer dizer "metade", mas quando é escrito em letras pode também querer dizer "um jeito".
Existem vários jeitos de entender o mundo.
Ela tentava explicar de um jeito que o mundo ficasse mais bonito.
Essa menina pensa que é filósofa, as pessoas falavam.
Filósofo é quem, em vez de ver televisão, prefere ficar pensando pensamentos.
De tanto que a menina explicava, as pessoas às vezes se irritavam,
irritação é um alarme de carro que dispara bem no meio do seu peito,
reclamavam, e iam embora, deixando a menina lá, explicando, sozinha.
Solidão é uma ilha com saudade de barco.
Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança pra acontecer de novo e não consegue.
Lembrança é quando, mesmo sem autorização, o seu pensamento reapresenta um capítulo.
Autorização é quando a coisa é tão importante que só dizer "eu deixo", é pouco.
Pouco é menos da metade.
Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.
Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro da sua cabeça.
Angústia é um nó muito apertado bem no meio sossego.
Preocupação é uma cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair do seu pensamento.
Ainda é quando a vontade está no meio do caminho.
Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele.
Cismar é quando o desejo quer aquilo apesar de tudo.
Apesar é uma dificuldade que não é grande o suficiente.
Dificuldade é a parte que vem antes do sucesso.
Sucesso é quando você faz o que sabe fazer só que todo mundo percebe.
Antes é uma lagarta que ainda não virou borboleta.
Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra coisa.
Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára.
Intuição é quando o seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.
Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista.
Vaidade é um espelho em todos os lugares ao mesmo tempo.
Vergonha é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora.
Ansiedade é quando faltam cinco minutos sempre para o que quer que seja.
Indiferença é quando os minutos não se interessam por nada especialmente.
Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento.
Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.
Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes.
Tristeza é uma mão gigante que aperta o seu coração.
Alegria é um bloco de carnaval que não liga se não é fevereiro.
Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma.
Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros.
Decepção é quando você risca em algo ou em alguém um xis preto ou vermelho.
Desilusão é quando anoitece em você contra a vontade do dia.
Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia.
Perdão é quando o natal acontece em maio, por exemplo.
Exemplo é quando a explicação não vai direto ao assunto.
Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo.
Beijo é um carimbo que serve pra mostrar que a gente gosta daquilo.
Gostar é quando acontece uma festa de aniversário no seu peito.
Amor é um gostar que não diminui de um aniversário pro outro. Não. Amor é um exagero... Também não. É um desadoro... Uma batelada? Um enxame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego?
Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor ela não sabia explicar, a menina.
Faz parte da minha natureza transgredir, invadir, violar. Não me interessa desimpedir impedimentos, não necessito de acordos, não me apresem os “a contento”, não sou de pedir licença, não estou nem aí para sorrisos hospitaleiros, não me venham com xícaras de chá. Estou, sim, belicosamente plantado no meio de olhos que não se devem olhar, corpos interditos, condições incompatíveis, atos ilícitos, corações desautorizados.
Descobri que Lua de Mel é um parque de diversões que acontece dentro da gente, portanto somos dois parques de diversão, com direito a incontáveis algodões-doces por dia.
No começo a terra só servia para isso. Para ficar embaixo do céu e em cima do inferno. Mas aí Deus pensou assim, agora, que tem a terra, eu tenho que inventar gente pra botar lá. Foi aí que ele inventou a vida. E no que inventou a vida já inventou a morte junto, pois tudo que é vivo, morre.
Um personagem que não sou eu vai usar a minha boca pra beijar um personagem que usa a sua boca mas não é você. Eu tenho que sentir o personagem aqui dentro, sentir o amor dele, ter vontade por ele, mas na horinha mesmo eu tenho que deixar de ser ele e voltar a ser eu pra poder me lembrar que esse é um beijo de novela e quem está beijando não sou eu, é ele,
Chorou até a vontade de chorar secar por completo, deixando no lugar onde estava, bem no meio do peito, um vazio que vagamente incomodava.
Medo da morte é coisa que não tenho. Já olhei nos olhos dela, já conheci seus no entanto, já discordei de suas idéias, já lhe expliquei, ponto por ponto, cada uma de minhas crenças. Nem estou atrás de desavença nem é nada pessoal não. Nada contra ela. Mas esse jeito de se chegar assim, toda se chegando, se fazendo de bondosa para enganar o sujeito, isso é coisa de gente com duas caras. Como a morte não é gente e só é uma, não entramos em acordo.