Aforismos de Nietzsche
Ébrio prazer é para o sofredor desviar de si o olhar de seu sofrimento e perder-se. Um ébrio prazer e um perder-se a si próprio pareceu-me outrora o mundo.
Vejo muitos soldados: quisera ver muitos guerreiros! "Uniforme" chama-se àquilo que vestem: que não seja uni-forme aquilo que com isso ocultam!
Temos de continuamente parir nossos pensamentos em meio a nossa dor, dando-lhes maternalmente todo sangue, coração, fogo, prazer, paixão , tormento, consciência, destino e fatalidade que há em nós.
(In A Gaia Ciência)
Tornar-se pensador. — Como pode alguém se tornar um pensador, se não passar ao menos um terço de cada dia sem paixões, pessoas e livros?
(do livro em PDF: Humano, demasiado humano Um livro para espíritos livres volume II)
Contra os fantasiosos. — O fantasioso nega a verdade para si mesmo; o mentiroso, apenas para os outros.
(do livro em PDF: Humano Demasiado)
Entre as coisas mais semelhantes é onde é mais bela a ilusão: porque é sobre o abismo pequeno que se torna difícil lançar uma ponte.
Uma vez tomada a decisão, tapar os ouvidos inclusive para as melhores contrarrazões: sinal de caráter forte. Portanto, uma ocasional vontade de tolice.
Jamais têm êxito as pobres mulheres que se tornam inquietas, inseguras e falam demais em presença daqueles que amam: pois é uma ternura discreta e fleumática que seduz mais seguramente os homens.
Comparando no todo o homem e a mulher, podemos dizer: a mulher não teria o gênio para o ornamento, não tivesse o instinto para o papel secundário.
Amor e Justiça
Por que superestimamos o amor em detrimento da justiça e dizemos dele as coisas mais belas, como se fosse algo muito superior a ela? Não será ele visivelmente mais estúpido? – Sem dúvida, mas justamente por isso mais agradável para todos. O amor é estúpido e possui uma abundante cornucópia; dela retira e distribui seus dons a cada pessoa, ainda que ela não os mereça, nem sequer os agradeça. Ele é imparcial como a chuva, que, segundo a Bíblia e a experiência, molha até os ossos não apenas o injusto, mas ocasionalmente também o justo.
A solidão, para alguns, é abrigo do doente. Para outros, a solidão é o abrigo contra o doente.
Ainda que tenham me ouvido tritar e suspirar com o frio do inverno, todos esses pobres diabos de olhos turvos que me rodeiam, com tais arrepios e suspiros, fujo de seus quartos aquecidos.
Podem muito bem lastimar e ter dó de mim por causa de minhas frieiras e que me desprezam dizendo: "Acabará por se congelar com o gelo do seu conhecimento!"
Eu, entretanto, corro de cá para lá, com os pés quentes, sobre meu Monte das Oliveiras. No recanto ensolarado de meu monte de oliveiras canto e escarneço de toda compaixão.
Só às almas mais espirituais, admitindo que sejam as mais corajosas, é dado viver as tragédias mais dolorosas: mas é por isso que estimam a vida, porque ela lhes opõe seu maior antagonismo.
Admito que como teoria isso possa ser uma coisa nova. Porém, na verdade, esse é o fato substancialmente primitivo em toda a história, que se tenha, pelo menos, a coragem de ser sincero consigo mesmo.
Não é possível que um homem não tenha no corpo as características e predileções de seus pais e ancestrais: mesmo que as evidências afirmem o contrário.
Não queremos que os nossos inimigos nos tratem com indulgência, nem tão pouco aqueles a quem amamos de coração. Deixai-me, portanto, dizer-vos a verdade!
Irmãos na guerra! Amo-vos de todo o coração; eu sou e era vosso semelhante. Também sou vosso inimigo. Deixai-me, portanto, dizer-vos a verdade!
Conheço o ódio e a inveja do vosso coração. Não sois bastante grandes para não conhecer o ódio e a inveja. Sede, pois, bastante grandes para não vos envergonhardes disso!
E se não podeis ser os santos do conhecimento, sede ao menos os seus guerreiros. Eles são os companheiros e os precursores dessa entidade.
Vejo muitos soldados; oxalá possa ver muitos guerreiros. Chama-se “uniforme” o seu traje; não seja, porém, uniforme o que esse traje oculta!
Vós deveis ser daqueles cujos olhos procuram sempre um inimigo, o vosso inimigo. Em alguns de vós se descobre o ódio à primeira vista.
Vós deveis procurar o vosso inimigo e fazer a vossa guerra, uma guerra por vossos pensamentos. E se o vosso pensamento sucumbe, a vossa lealdade, contudo, deve cantar vitória.
Deveis amar a paz como um meio de novas guerras, e mais a curta paz do que a prolongada.
Não vos aconselho o trabalho, mas a luta. Não vos aconselho a paz, mas a vitória. Seja o vosso trabalho uma luta! Seja vossa paz uma vitória!
Não é possível estar calado e permanecer tranqüilo senão quando se têm flechas no arco; a não ser assim questiona-se. Seja a vossa paz uma vitória!
Dizeis que a boa causa é a que santifica também a guerra? Eu vos digo: a boa guerra é a que santifica todas as coisas.
A guerra e o valor têm feito mais coisas grandes do que o amor do próximo. Não foi a vossa piedade mas a vossa bravura que até hoje salvou os náufragos.
Que é bom? — perguntais. — Ser valente. Deixai as raparigas dizerem: “Bom é o bonito e o meigo”.
A Sabedoria do Sofrimento
O sofrimento não tem menos sabedoria do que o prazer: tal como este, faz parte em elevado grau das forças que conservam a espécie. Porque se fosse de outra maneira há muito que esta teria desaparecido; o facto de ela fazer mal não é um argumento contra ela, é muito simplesmente a sua essência. Ouço nela a ordem do capitão: «Amainem as velas». O intrépido navegador homem deve treinar-se a dispor as suas de mil maneiras; de outro modo, não tardaria a desaparecer, o oceano havia de o engolir depressa. É preciso que saibamos viver também reduzindo a nossa energia; logo que o sofrimento dá o seu sinal, é chegado o momento; prepara-se um grande perigo, uma tempestade, e faremos bem em oferecer a menor «superfície» possível. Há homens, contudo, que, quando se aproxima o grande sofrimento, ouvem a ordem contrária e nunca têm ar mais altivo, mais belicoso, mais feliz do que quando a borrasca chega, que digo eu! E a própria tempestade que lhes dá os seus mais altos momentos! São os homens heróicos, os grandes «pescadores da dor», esses raros, esses excepcionais de que é necessário fazer a mesma apologia que se faz para a própria dor! Não lha podemos recusar! São conservadores da espécie, estimulantes de primeira qualidade, quando mais não seja porque resistem ao bem-estar e não escondem o seu desprezo por essa espécie de felicidade.
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"
O orgulhoso conhecimento do privilégio extraordinário da responsabilidade, a consciência dessa rara liberdade, desse poder sobre si mesmo e o destino, desceu nele até sua mais íntima profundeza e tornou-se instinto, instinto dominante – como chamará ele a esse instinto dominante, supondo que necessite de uma palavra para ele? Mas não há dúvida: este homem soberano o chama de sua consciência...