Vital
Esse silêncio campesino que circula minhas artérias
Mergulha à insensatez de tua inquietação urbana.
Eu, assim.
Eunuco, nulo de vendavais.
Você, rio perene,
Àrvores em bulício
Eu, viela, corrimão.
Você, veredas
Passarão.
Eu passarinho
PÁTRIA SERRA:
Na subida da ladeira dos bosques babaçuais
Vão-se os sonhos franzinos nas quebradas dos mortais
O pequeno e o menor, o que vai e o que fica
Os que descem outros que sobem como se os imortais.
Homens comendo homens feito como canibais
No cume do monte serra a pátria serra encerra
Os filhos das findas viúvas na quebranta dos cocais
De que sorte assim se faz?
Se nem ao bronco machado
Poucos sonhos se refaz
Eu tive que mudar meu poema
Vocês só compram na doçura da letra.
Aquele ardente ou amargo por si só
Não lhes é palatável.
Meu verso se parece amargo, infesto.
Para ser grande
Completo...
Deves está pequeno
Seus atos
Seus marcos
Se farão íntegros
Se o coração
É terno.
SEM RÓTULO
A minha curiosidade e atrevimento ao escrever às vezes me custa responsabilidades.
Em um dia daqueles que a gente não espera, um jovem poeta me aborda pelo Instagram e para minha imensurável surpresa me faz um questionamento.
- Eu leio seus textos sempre!
Eu lhe respondi.
- Quem bom, fico feliz por isso.
E, surpreendentemente, ele me interpela.
- Eu tenho muita vontade de lhe mostrar meus escritos mas tenho medo que detecte algum erro.
Em êxtase lhe respondi
- Eu também morro de medo do seleto intelecto corretivo da literatura comercial.
No entanto, a escrita é minha, a leitura sou eu que faço.
De certo, no universo virtual eles também me lêem, embora não me comprem
O restante é só o restante caro poeta.
A literatura comercial sob a égide de sua crítica.
Possui fins seletivo
Todo aquele que não denotar obediência à sua sintaxe.
Logo serão versos pobre.
Podendo ser comparada à arca da aliança
Ou, quiçá, a área 51
Não mostre sua arte aos tolos...
São secos, sem júbilo.
Sobre a literatura comercial, permeiam-se dois tipos de poeta e escritor.
Há aquele que reverbera o discurso em voga, cujo a crítica precisa ouvir. Hoje, por exemplo, destaca-se o discurso identitário para abrir portas. É o atalho ao púlpito dos intelectuais.
Outro, ainda que não dê vasão ao que a crítica e burguesia intelectual convenciona, possui capital financeiro podendo bancar sua obra independente. Talvez não comercial, mas igualmente palatável.
A escrita não deve complacência às convenções da elite intelectual. Ela é, em si, fomento do grito encerrado dos marginais.
MANHÄ DE DOMINGO
Sobre a mesa redonda adornada com uma velha toalha de renda vermelha
Um prato de sobremesa com arroz branco e uma pequena poção de Strogonoff.
Um sachê de algodão estéril
Dois esmaltes de cores preta e laranja.
Algumas lixas de unha e outros acessórios para adornar as unhas do mais velho.
Missangas enfeitavam as bonecas passadas da netinha.
À minha frente um copo de cristal cica amealhado de cerveja me dava inspiração.
Uma garrafa plástica de refrigerante indaiá sabor limão discretamente desamparada.
O óculos de grau redondo fechado ao centro da mesa
Paralelamente o chaveiro com a chave do carro que mais tarde levaria todos deixando a saudade e o sonho de um novo reencontro.
Era assim o domingo da vovó
O que me faz feliz?
De verdade?
É acordar e poder andar.
Calçar um sapato confortável
Ouvir no radinho a música da adolescência
E ser gentil.
Hoje eu possuo idade para enxergar com mais sutileza as coisas.
Eu sou o que sou.
Pronome pessoal intransferível
Verbo intransitivo direto.
Meus sonhos?
Pretérito imperfeito!
Estrada sem caminho
Principio, meio e fim.
É inútil prolongar a conversa.
Enquanto você jaz ao som da tirania
É inútil prolongar a conversa.
Enquanto você samba na maionese.
E não entra no ritmo do batuque.
Pra variar...
É inútil prolongar
Porque também jazo
Diante de tua incognita submissão
Parca lâmpada que me alumia, tranquila.
Somente entre eu e você
Oscila todas as luzes que não sejam de resina
As luzes da cidade bradava sobre o asfalto ainda fervilhante.
Do apartamento no quarto andar.
Podíamos ver e ouvir o excitante som das parcelas dos pneus a consumir o asfalto, do quarto.
Sobre a caixa d'água lá fora, o garoto documentou a beleza verdejante da sabiá aguardando a bebida na piscina solitária.
Do lado de dentro a corujinha dourada me olhava com os olhos miúdos, silêncioso e cortante.
Parca lâmpada me alumia, tranquila.
Somente entre eu e você
Oscila todas as luzes que não sejam de resina.
MEDO DE MORRER
Eu tenho medo de morrer.
Porque só em pensar que não vou mais ver o nascer do sol
Acordar com o abraço dos netinhos.
Comungar a natureza em sua leve brisa da manhã.
Se eu pudesse falar com Deus, uma proposta lhe faria.
Uma pequena troca...
Eu abriria mão de um ano de minha vida para ele me deixar voltar uma noite na minha infância.
Na casa de mamãe onde tudo era possível, mesmo que na medida exata.
Todos nós cantávamos à mesa para uma ceia nutrida de carinho e afeto.
O cheiro de café na trempe viaja comigo.
Mas àquela hora só os adultos tinham acesso
Mamãe achava pouco e fervia uma chaleira de flor de laranja
Que era para a gente dormir cedo
Éramos sete, às dezoito horas, Paim no auge de sua devoção religiosa nos obrigava a rezar
Logo todos também religiosamente teriam que ir dormir.
Sem sono, começávamos a brincar no escuro do quarto e mamãe comecava a contar histórias de Trancoso para despertarmos só no outro dia.
Por fim, perguntava-lhe.
Por que as mães precisam nos deixar?
Escrever é conceber um filho.
Encontramos prazer no fazer e no nascer
O limite do gozo é sempre o mesmo
No primeiro, no segundo e doravante
Assim como os filhos biológicos,
Amamos um a um mesmo em momentos distintos
De certo, alguns ganham maior destaque
Apenas para o mundo exterior.
Ao olhar genitor todos possuem
O mesmo cheiro e a mesma beleza.
Assim como a coruja disse ao gavião que seus filhos eram as mais belas criaturas da floresta
É o poeta para seus rebentos
Meu corpo fadigado na frieza marmórea que os dias me facultam.
Só mesmo as letras seriam capazes de desvelar esse meu ínfimo ser.
Esse rude estado de proeminência que às vezes cintila em mim.
Serve-me apenas para velar a escuridão que me sonda
LIS
Sabe o que eu queria agora?
Que todos pudessem me ouvir
Não o que às vezes sai de minha boca
Apenas aquilo que minha psique não sabe expressar.
Só você para alcançar aquilo que não sai de minha boca.
VOU CUIDAR DE MIM
Hoje, olhando para trás
Percebo que tenho menos tempo de vida para viver
Do que o que já vivi.
Possuo mais passado que futuro.
Nem mesmo o presente me é tão aprazível.
Assim, não devo perder tempo com coisas fúteis.
Com convenções sociais que não chegam a lugar algum.
Hoje, eu possuo idade para enxergar com mais sutileza as coisas.
E podar o meu jardim
MINHA FERA
Às vezes eu sou só fera
Espinhos ou solidão.
Noutras, posso ser flores
Leveza e compaixão
Se sou fera ou espinhos!
É porque nesse universo de feras
O indivíduo carece fera ser também
Nesse emaranhado de dúvidas
Que se chama compreensão
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