Versos Realidade
Realidade
Em ti o meu olhar fez-se alvorada
E a minha voz fez-se gorgeio de ninho...
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho...
Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada...
E a minha cabeleireira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho...
Minhas pálpebras são cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci...
Tens sido vida fora o meu desejo
E agora, que te falo, que te vejo,
Não sei se te encontrei... se te perdi...
De que me vale ser filho da santa?
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
XXVI
Às vezes, em dias de luz perfeita e exata,
Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as coisas,
Perante as coisas que simplesmente existem.
Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.
Nunca te é concedido um desejo sem que te seja concedida também a facilidade de torná-lo realidade. Entretanto, é possível que tenhas que lutar por ele.
O sonho é um túnel que passa por baixo da realidade. É um esgoto de água clara, mas não deixa de ser esgoto.
A esperança não é nem realidade nem quimera. É como os caminhos da terra: na terra não havia caminhos; foram feitos pelo grande número de passantes.
Representar não é a realidade - é mais cruel do que a realidade. É um ato de crueldade que o ator inflige a si mesmo. Essa crueldade tem a ver com a lucidez e isso é algo de muito temível.
A vida é fictícia, as palavras perdem a realidade. E no entanto esta vida fictícia é a única que podemos suportar. Estamos aqui como peixes num aquário. E sentindo que há outra vida ao nosso lado, vamos até à cova sem dar por ela. Estamos aqui a matar o tempo.
O avarento guarda o seu tesouro como se fosse seu; mas teme servir-se dele como se na realidade pertencesse a outrém.