Poemas curtos de Clarice Lispector
Nunca nasci, nunca vivi: mas eu me lembro, e a lembrança é em carne viva.
Não podia me dar ao luxo de pedir, lembrei-me de todas as vezes em que, por ter tido a doçura de pedir, não me deram.
Ah, mas se por um instante eu entender que a fúria é contra os meus erros e não contra os dos outros, então esta cólera se transformará nas minhas mãos em flores, em flores, em coisas leves, em amor.
Sem uma palavra de amor. Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós comemos. Pão é amor entre estranhos.
Não, nunca fui moderna. E acontece o seguinte: quando estranho uma pintura é aí que é pintura. E quando estranho a palavra é aí que ela alcança o sentido. E quando estranho a vida aí é que começa a vida.
Cada coisa é uma palavra. E quando não se a tem, inventa-se-a.
Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.
Eu poderia resolver pelo caminho mais fácil, matar a menina-infante, mas quero o pior: a vida.
Não, quem tem razão é este meu coração indireto, mesmo que os fatos me desmintam diretamente.
O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer.
Andando pela sua teia invisível, parecia transladar-se maciamente no ar. Ela queria a esperança.
A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver.
A primavera me dá coisas. Dá do que viver. E sinto que um dia na primavera é que vou morrer. De amor pungente e coração enfraquecido.
Nem sempre esmiuçar demais dá certo.
Se eu ficar sozinha demais procurarei o nosso Consulado. Para rever brasileiros e poder de novo usar a nossa difícil língua. Difícil mas fascinante. Sobretudo para se escrever. Asseguro-vos que não é fácil escrever em português: é uma língua pouco trabalhada pelo pensamento e o resultado é pouca maleabilidade para exprimir os delicados estados do ser humano.
Na maioria das vezes, quando se descrevem as características físicas, morais e mentais de um brasileiro, não se nota que na verdade se estão descrevendo os sintomas físicos, morais e mentais da fome.