Poemas curtos de Clarice Lispector

Para cada um de nós e – em algum momento perdido na vida – anuncia-se uma missão a cumprir? Recuso-me porém a qualquer missão. Não cumpro nada: apenas vivo.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

É. Eu me acostumo mas não amanso. Por Deus! eu me dou melhor com os bichos do que com gente. (...) E quando acaricio a cabeça do meu cão – sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Mas, quanto a mim, tenho a lhes dizer que as estrelas são mais do que curumins. Estrelas são os olhos de Deus vigiando para que corra tudo bem. Para sempre. E, como se sabe, sempre não acaba nunca.

Clarice Lispector
Doze lendas brasileiras: como nasceram as estrelas. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.

Não quero perguntar por quê, pode-se perguntar sempre por que e sempre continuar sem resposta: será que consigo me entregar ao expectante silêncio que se segue a uma pergunta sem resposta? Embora adivinhe que em algum lugar ou em algum tempo existe a grande resposta para mim.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

O que eu te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Sou ajudada pela saudade mansa e dolorida de quem eu amei. E sou ajudada pela minha própria respiração.

Clarice Lispector
Aprendendo a viver. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.

Nota: Trecho da crônica Sem título.

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Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Quando digo "águas abundantes" estou falando da força de corpo nas águas do mundo. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso. Lê a energia que está no meu silêncio. Ah tenho medo do Deus e do seu silêncio.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Eu sou o meu próprio espelho. E vivo de achados e perdidos. É o que me salva. Estou metida numa guerra invisível entre perigos. Quem vence? Eu sempre perco.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Há muita coisa a dizer que não sei como dizer.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

E também porque uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. (...) A uma coisa bonita faltava o gesto de dar. Nunca se devia ficar com uma coisa bonita, assim, como que guardada dentro do silêncio perfeito do coração.

Clarice Lispector
Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Nota: Trecho do conto A imitação da rosa.

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É tão difícil falar, é tão difícil dizer coisas que não podem ser ditas, é tão silencioso.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Ao correr da máquina.

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Parecia-lhe que havia cometido um crime e que comera um anjo e, porque acreditava, eles existiam.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Que estou fazendo ao te escrever? estou tentando fotografar o perfume.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Depois que descobri em mim mesma como se pensa, nunca mais pude acreditar no pensamento dos outros.

Clarice Lispector
Para não esquecer. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Nota: Crônica As negociatas.

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Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica O milagre das folhas.

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Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém despeja um balde de água no terraço; sábado ao vento é a rosa da semana.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Sábado.

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Se o meu mundo não fosse humano, também haveria lugar para mim: eu seria uma mancha difusa de instintos, doçuras e ferocidades, uma trêmula irradiação de paz e luta: se o mundo não fosse humano eu me arranjaria sendo um bicho.

Clarice Lispector
Aprendendo a viver. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.

Nota: Trecho da crônica Eu me arranjaria.

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O que a nossa imaginação cria se parece com o processo que Deus tem de criar.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Meu deus, como o mundo sempre foi vasto e como eu vou morrer um dia. E até eu morrer vou viver apenas momentos? Não, dai-me mais do que momentos. Não porque momentos sejam poucos, mas porque momentos raros matam de amor pela raridade.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.