Poemas curtos de Clarice Lispector

Mas sentimentos são água de um instante. Em breve – como a mesma água já é outra quando o sol a deixa muito leve, e já outra quando se enerva tentando morder uma pedra, e outra ainda no pé que mergulha.

Clarice Lispector
A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho do conto A legião estrangeira.

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Inútil querer me classificar: eu simplesmente escapulo não deixando, gênero não me pega mais. Estou em um estado muito novo e verdadeiro, curioso de si mesmo, tão atraente e pessoal a ponto de não poder pintá-lo ou escrevê-lo. Parece com momentos que tive contigo, quando te amava, além dos quais não pude ir pois fui ao fundo dos momentos.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Bom, agora eu morri. Mas vamos ver se eu renasço de novo. Por enquanto eu estou morta. Estou falando do meu túmulo.

Clarice Lispector

Nota: Trecho de entrevista concedida ao repórter Júlio Lerner, na TV Cultura, em 1977.

Ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica As três experiências.

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Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Saudade.

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Minha vida é um grande desastre. É um desencontro cruel, é uma casa vazia. Mas tem um cachorro dentro latindo. E eu – só me resta latir para Deus. Vou voltar para mim mesma. É lá que eu encontro uma menina morta sem pecúlio.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

O dia corre lá fora à toa e há abismos de silêncio em mim. A sombra de minha alma é o corpo. (...) Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

(...) ele se arriscou à penosa acrobacia de voar desajeitado. Boquiaberto, olhou em torno porque certos gestos se tornam aterrorizantes na solidão, com um valor final neles mesmos. Quando um homem cai sozinho num campo não sabe a quem dar a sua queda.

Clarice Lispector
A maçã no escuro. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Ela forçou de dentro de mim a sua exigência.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Incompetente para a vida. Faltava-lhe o jeito de se ajeitar. Só vagamente tomava conhecimento da espécie de ausência que tinha de si em si mesma. Se fosse criatura que se exprimisse diria: o mundo é fora de mim, eu sou fora de mim.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Eu tenho tanto medo de ser eu.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Escrevo com o corpo. E o que escrevo é uma névoa úmida.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Muito elogio é como botar água demais na flor. Ela apodrece.

Clarice Lispector
Gotlib, Nádia B. Clarice: uma vida que se conta. São Paulo: Ática, 1995.

Nota: Trecho de entrevista com Ziraldo, em 1974.

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O dia corre lá fora à toa e há abismos de silêncio em mim.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Cuidado com suas preocupações, dizem que dá ferida no estômago.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

E falo bem baixo para que os ouvidos sejam obrigados a ficar atentos e a me ouvir.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Mas não havia nela miséria humana. É que tinha em si mesma uma certa flor fresca. Pois, por estranho que pareça, ela acreditava. Era apenas fina matéria orgânica. Existia. Só isto. E eu? De mim só se sabe que respiro.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

A comunicação muda

O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros. Às vezes, quando duas pessoas estão juntas, apesar de falarem, o que elas comunicam silenciosamente uma à outra é o sentimento de solidão.

Clarice Lispector
Crônicas para jovens: de amor e amizade. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.

Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém
despeja um balde de água no terraço: sábado ao vento é a rosa da semana. Sábado de manhã é
quintal, uma abelha esvoaça, e o vento (...)

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Sábado.

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No meio do meu silêncio e do silêncio da rosa, havia o meu desejo de possuí-la como uma coisa só minha. Eu queria poder pegar nela. Queria cheirá-la até sentir a vista escura de tanta tonteira de perfume. (...) Até chegar à rosa foi um século de coração batendo. (...)
O que é que fazia eu com a rosa? Fazia isso: ela era minha.

Clarice Lispector
Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Nota: Trecho do conto Cem anos de perdão.

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