Poemas curtos de Clarice Lispector

Mas é que nunca fui capaz de perceber as coisas se encaminhando; todas as vezes que elas chegavam a um ápice, me parecia com surpresa um rompimento, explosão dos instantes, com data, e não a continuação de uma ininterrupção.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

A tragédia – que é a aventura maior – nunca se realizara em mim. Só o meu destino pessoal era o que eu conhecia. E o que eu queria.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

E é só o que posso dizer a meu respeito? Ser “sincera”? Relativamente sou. Não minto para formar verdades falsas. Mas usei demais as verdades como pretexto. A verdade como pretexto para mentir? Eu poderia relatar a mim mesma o que me lisonjeasse, e também fazer o relato da sordidez.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

... eu que me perdoei tudo o que foi grave e maior em mim.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Não é que eu queira estar pura da vaidade, mas preciso ter o campo ausente de mim para poder andar.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

A outra – a incógnita e anônima – essa outra minha existência que era apenas profunda, era o que provavelmente me dava a segurança de quem tem sempre na cozinha uma chaleira em fogo baixo: para o que desse e viesse, eu teria a qualquer momento água fervendo.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Meu medo não era o de quem estivesse indo para a loucura, e sim para uma verdade.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

O que me aliviava como a uma sede, aliviava-me como se durante toda a vida eu tivesse esperado por uma água tão necessária para o corpo eriçado como é a cocaína para quem a implora. Enfim o corpo, embebido de silêncio, se apaziguava. o alívio vinha de eu caber no desenho mudo da caverna.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

O mundo se me olha. Tudo olha para tudo, tudo vive o outro; neste deserto as coisas sabem as coisas. As coisas sabem tanto as coisas que a isto.., a isto chamarei de perdão, se eu quiser me salvar no plano humano. É o perdão em si. Perdão é um atributo da matéria viva.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Eu, que antes vivera de palavras de caridade ou orgulho ou de qualquer coisa. Mas que abismo entre a palavra e o que ela tentava, que abismo entre a palavra amor e o amor que não tem sequer sentido humano – porque – porque amor é a matéria viva.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

É engraçado que pensando bem não há um verdadeiro lugar para se viver. Tudo é terra dos outros, onde os outros estão contentes.

Clarice Lispector
Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.

Nota: Trecho de carta para Elisa e Tania, escrita em 5 de maio de 1946.

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Que eu tenha a coragem de me enfrentar.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

O pior é que ela poderia riscar tudo o que pensara. Seus pensamentos eram, depois de erguidos, estátuas no jardim e ela passava pelo jardim olhando e seguindo o seu caminho.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Mente-se e cai-se na verdade. Mesmo na liberdade, quando escolhia alegre novas veredas, reconhecia-as depois. Ser livre era seguir-se afinal, e eis de novo o caminho traçado. Ela só veria o que já possuía dentro de si. Perdido pois o gosto de imaginar.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Estou cada vez mais viva, soube vagamente. Começou a correr. Estava subitamente mais livre, com mais raiva de tudo, sentiu triunfante. No entanto não era raiva, mas amor. Amor tão forte que só esgotava sua paixão na força do ódio.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Ainda não se cansara de existir e bastava-se tanto que às vezes, de grande felicidade, sentia a tristeza cobri-la como a sombra de um manto, deixando-a fresca e silenciosa como um entardecer. Ela nada esperava. Ela era em si, o próprio fim.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Começo até a pensar que entre os loucos há os que não são loucos.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Medo da libertação.

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Sabia que era inútil resolver sobre o próprio destino.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras – quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Será horrível demais querer se aproximar dentro de si mesmo do límpido eu? Sim, e é quando o eu passa a não existir mais, a não reivindicar nada, passa a fazer parte da árvore da vida – é por isso que luto por alcançar. Esquecer-se de si mesmo e no entanto viver tão intensamente.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.