Poemas curtos de Clarice Lispector
Quero tudo pois nada é bom demais para a minha morte que é a minha vida tão eterna que hoje mesmo ela já existe e já é.
Coragem e covardia são um jogo que se joga a cada instante. Assusta a visão talvez irremediável e que talvez seja a da liberdade.
É um filme de pessoas automáticas que sabe aguda e gravemente que são automáticas e que não há escapatória.
E tenho, vos asseguro, tudo o mais que faz de mim uma mulher às vezes viva, às vezes objeto.
Minha alma humana é a única forma possível de eu não me chocar desastrosamente com a minha organização física, tão máquina perfeita que é. Minha alma humana é, aliás, também o único modo como me é dado aceitar sem desatino a alma geral do mundo. A engrenagem não pode nem por um segundo falhar.
Há um grande silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras. E do silêncio tem vindo o que é mais precioso que tudo: o próprio silêncio.
Sim, meu Deus. Que se possa dizer sim.
Desamparada, eu te entrego tudo – para que faças disso uma coisa alegre. Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia.
Eu sempre preferi o menos ao mais por medo também do ridículo: é que há também o dilaceramento do pudor.
Quero saber o que mais, ao perder, eu ganhei. Por enquanto não sei: só ao me reviver é que vou viver.
Viver não é relatável. Viver não é vivível. Terei que criar sobre a vida. E sem mentir. Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade. Entender é uma criação, meu único modo.
Eu me pergunto: se eu olhar a escuridão com uma lente, verei mais que a escuridão? a lente não devassa a escuridão, apenas a revela ainda mais. E se eu olhar a claridade com uma lente, com um choque verei apenas a claridade maior.
Para a minha profunda moralidade anterior, eu ter descoberto que estou tão cruamente viva quanto essa cruz luz que ontem aprendi, para aquela minha moralidade, a glória dura de estar viva é o horrror.
É que um mundo todo vivo tem a força de um Inferno.
Mas é que nunca fui capaz de perceber as coisas se encaminhando; todas as vezes que elas chegavam a um ápice, me parecia com surpresa um rompimento, explosão dos instantes, com data, e não a continuação de uma ininterrupção.
A tragédia – que é a aventura maior – nunca se realizara em mim. Só o meu destino pessoal era o que eu conhecia. E o que eu queria.
E é só o que posso dizer a meu respeito? Ser “sincera”? Relativamente sou. Não minto para formar verdades falsas. Mas usei demais as verdades como pretexto. A verdade como pretexto para mentir? Eu poderia relatar a mim mesma o que me lisonjeasse, e também fazer o relato da sordidez.
... eu que me perdoei tudo o que foi grave e maior em mim.
Não é que eu queira estar pura da vaidade, mas preciso ter o campo ausente de mim para poder andar.