Poemas curtos de Clarice Lispector
Vida incomoda bastante, alma que não cabe bem no corpo.
Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.
Eu tenho que ser minha amiga, senão não aguento a solidão.
Aquela relutância em ceder, mas aquela vontade do grande abraço.
Eu uso essa palavra porque nunca tive medo de palavras. Tem gente que se assusta com o nome das coisas.
Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina.
Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.
Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço.
Abro o jogo! Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.
Há verdades que nem a Deus eu contei. E nem a mim mesma. Sou um segredo fechado a sete chaves.
Por favor me poupem.
– Você tem paz, Clarice?
– Nem pai nem mãe.
– Eu disse “paz”.
– Que estranho, pensei que tivesse dito “pais”. Estava pensando em minha mãe alguns segundos antes. Pensei – mamãe – e então não ouvi mais nada. Paz? Quem é que tem?
Com perdão da palavra, sou um mistério para mim.
(A descoberta do mundo)
Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso.
(Água viva)
E umas das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi criadora de minha própria vida.
E só estou triste hoje porque estou cansada. No geral sou alegre.
É assim porque é assim. Existe no mundo outra resposta? Se alguém sabe de uma melhor, que se apresente e diga, estou há anos esperando.
Existia. Só isto. E eu? De mim só se sabe que respiro.
Quero antes afiançar que essa moça não se conhece senão através de ir vivendo à toa. Se tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu?” cairia estatelada e em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.
A realidade é delicada demais, só a realidade é delicada, minha irrealidade e minha imaginação são mais pesadas.
O mistério do destino humano é que somos fatais, mas temos a liberdade de cumprir ou não o nosso fatal: de nós depende realizarmos o nosso destino fatal.
Se eu me visse na terra lá das estrelas ficaria só de mim.
Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.