Poemas curtos de Clarice Lispector
Como um gato de dorso arrepiado, arrepio-me diante de mim.
Mas eu sou uma chata que parece viver com medo de dizer as coisas claramente.
Era malcriada demais, revoltada demais, embora depois caísse em si e pedisse desculpas.
Somente uma coisa me faria bem agora. Seria adormecer com a cabeça no seu colo, você me dizendo bobagenzinhas gostosas pra eu esquecer a ruindade do mundo.
Estou aqui de vez em quando muito delicada, me interessam principalmente flores e passarinhos.
Eu não sou uma sonhadora. Só devaneio para alcançar a realidade.
Não me posso resumir porque não se pode somar uma cadeira e duas maçãs. Eu sou uma cadeira e duas maçãs. E não me somo.
O tempo não existe. O que chamamos de tempo é o movimento de evolução das coisas, mas o tempo em si não existe. Ou existe imutável e nele nos transladamos.
Sua sensibilidade incomodava sem ser dolorosa, como uma unha quebrada.
Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado.
Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade.
Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.
Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.
Eu também não sei não pensar. Acontece sem esforço. Só é difícil quando procuro obter essa escuridão silenciosa. Quando estou distraído, caio na sombra e no oco e no doce macio nada-de-mim.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos.
E todos os dias ficarei tão alegre que incomodarei os outros.
Como é bom o instante de precisar que antecede o instante de se ter.
Andar na escuridão completa à procura de nós mesmos é o que fazemos.