Versos de Clarice Lispector
Quando eu me comunico com criança é fácil porque sou muito maternal. Quando me comunico com adulto, na verdade estou me comunicando com o mais secreto de mim mesma, daí é difícil... O adulto é triste e solitário. A criança tem a fantasia solta.
E como a uma borboleta, Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu.
Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma num boi? assim fiquei eu...
Escolher a própria máscara é o primeiro gesto humano. E solitário.
Ângela é ainda um casulo fechado, como se eu ainda não tivesse nascido, enquanto eu não abrir em metamorfose, Ângela será minha. Quando eu tiver forças de ficar sozinho e mudo – então soltarei para sempre a borboleta do casulo.
Depois de um certo tempo cada um é responsável pela cara que tem. Vou olhar agora a minha.
Os suicidas muitas vezes se matam porque têm medo de morrer. Não suportam a tensão crescente da vida e da espera do pior – e se matam para se verem livres da ameaça.
Parece que esperança não tem olhos (...), é guiada pelas antenas.
Era cruel o que fazia consigo própria: aproveitar que estava em carne viva para se conhecer melhor, já que a ferida estava aberta.
Através de meus graves erros – que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar deles – é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada. A consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu amo como quem cai no nada.
E eis-me aqui dura e silenciosa e heroica. Sem menina dentro de mim.
Peço também que não leia tudo o que escrevo porque muitas vezes sou áspera e não quero que você receba minha aspereza.
Só Deus perdoaria o que eu era porque só Ele sabia do que me fizera e para o quê. Eu me deixava, pois, ser matéria d’Ele. Ser matéria de Deus era a minha única bondade.
O que me tranquiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta.
Antes de me organizar tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me.
Nada escapa à perfeição das coisas, é essa a história de tudo. Mas isso não explica por que eu me emociono quando Otávio tosse e põe a mão no peito, assim. Ou senão quando fuma, e a cinza cai no seu bigode, sem que ele note. Ah, piedade é o que sinto então. Piedade é a minha forma de amor. De ódio e de comunicação. É o que me sustenta contra o mundo, assim como alguém vive pelo desejo, outro pelo medo. Piedade das coisas que acontecem sem que eu saiba.
Vou-lhes contar um segredo: a vida é mortal.
Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.
"Libertar" era uma palavra imensa, cheia de mistérios e dores.
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