Versos de Clarice Lispector

A prece profunda não é aquela que pede, a prece mais profunda é a que não pede mais.

Clarice Lispector
Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Nota: Trecho do conto Os desastres de Sofia.

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Hoje, de repente, como num verdadeiro achado, minha tolerância para com os outros sobrou um pouco para mim também (por quanto tempo?). Aproveitei a crista da onda, para me pôr em dia com o perdão.

Clarice Lispector
Para não esquecer. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Nota: Trecho da crônica Literatura e justiça.

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E o que é que eu faço? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda, que já está começando a me doer como uma angústia, como um grande silêncio de espaços? A quem dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

E com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Existir é tão completamente fora do comum que se a consciência de existir demorasse mais de alguns segundos, nós enlouqueceríamos. A solução para esse absurdo que se chama "eu existo", a solução é amar um outro ser que, este, nós compreendemos que exista.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Não posso escrever enquanto estou ansiosa ou espero soluções porque em tais períodos faço tudo para que as horas passem; e escrever é prolongar o tempo, é dividi-lo em partículas de segundos, dando a cada uma delas uma vida insubstituível.

Clarice Lispector
Para não esquecer. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Nota: Crônica Escrever, prolongar o tempo.

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Por que publicar o que não presta? Porque o que presta também não presta. Além do mais, o que não presta sempre me interessou muito. Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão.

Clarice Lispector
A legiăo estrangeira Rio de Janeiro: Editora do autor, 1964.

Piedade é a minha forma de amor. De ódio e de comunicação. É o que me sustenta contra o mundo, assim como alguém vive pelo desejo, outro pelo medo.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Se o meu mundo não fosse humano, também haveria lugar para mim: eu seria uma mancha difusa de instintos, doçuras e ferocidades, uma trêmula irradiação de paz e luta: se o mundo não fosse humano eu me arranjaria sendo um bicho.

Clarice Lispector
Aprendendo a viver. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.

Nota: Trecho da crônica Eu me arranjaria.

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Que estou fazendo ao te escrever? estou tentando fotografar o perfume.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

cada vez mais ela não se sabia explicar. Transformara-se em simplicidade orgânica. E arrumara um jeito de achar nas coisas simples e honestas a graça de um pecado. Gostava de sentir o tempo passar. Embora não tivesse relógio, ou por isso mesmo, gozava o grande tempo. Era supersônica de vida. Ninguém percebia que ela ultrapassava com sua existência a barreira do som. Para as pessoas outras ela não existia. A sua única vantagem sobre os outros era saber engolir pílulas sem água, assim a seco.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Beleza é assim mesmo, ela é um átimo de segundo, rapidez de um clarão e depois logo escapa.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Quem vive sabe, mesmo sem saber que sabe.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Parecia-lhe que havia cometido um crime e que comera um anjo e, porque acreditava, eles existiam.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Quando digo "águas abundantes" estou falando da força de corpo nas águas do mundo. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso. Lê a energia que está no meu silêncio. Ah tenho medo do Deus e do seu silêncio.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Eu sou o meu próprio espelho. E vivo de achados e perdidos. É o que me salva. Estou metida numa guerra invisível entre perigos. Quem vence? Eu sempre perco.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica O milagre das folhas.

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É. Eu me acostumo mas não amanso. Por Deus! eu me dou melhor com os bichos do que com gente. (...) E quando acaricio a cabeça do meu cão – sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Mas, quanto a mim, tenho a lhes dizer que as estrelas são mais do que curumins. Estrelas são os olhos de Deus vigiando para que corra tudo bem. Para sempre. E, como se sabe, sempre não acaba nunca.

Clarice Lispector
Doze lendas brasileiras: como nasceram as estrelas. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.

Sou ajudada pela saudade mansa e dolorida de quem eu amei. E sou ajudada pela minha própria respiração.

Clarice Lispector
Aprendendo a viver. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.

Nota: Trecho da crônica Sem título.

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