Versos de Clarice Lispector
Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é ler distraidamente.
E, livre, nem ela mesma sabia o que pensava.
Viver ultrapassa qualquer entendimento.
E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero.
É preciso coragem. Uma coragem danada. Muita coragem é o que eu preciso. Sinto-me tão desamparada, preciso tanto de proteção... porque parece que sou portadora de uma coisa muito pesada.
– Pois olhe – declarou de repente uma velha fechando o jornal com decisão – pois olhe, eu só lhe digo uma coisa: Deus sabe o que faz.
(...) não sei, às vezes me parece que estou perdendo tempo (...)
(...) vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria.
Vou fazer um pedido para vocês: todas as vezes que vocês sentirem solitários, isto é, sozinhos, procurem uma pessoa para conversar. Escolham uma pessoa grande que seja muito boa para crianças e que entenda que às vezes um menino ou uma menina estão sofrendo.
Pelo menos o futuro tinha a vantagem de não ser o presente, sempre há um melhor para o ruim.
Eu sempre espero alguma coisa nova de mim, eu sou um frisson de espera – algo está sempre vindo de mim ou de fora de mim.
Eu nasci amalgamada com a solidão deste exato instante e que se prolonga tanto, e tão funda é, que já não é minha solidão mas a Solidão de Deus. Alcancei afinal o momento em que nada existe. Nem um carinho de mim para mim: a solidão é esta a do deserto. O vento como companhia. Ah mas que frio escuro está fazendo. Cubro-me com a melancolia suave, e balanço-me daqui para lá, daqui para lá, daqui para lá. Assim. É! É assim mesmo.
É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa.
Hoje estou a mesma chata de sempre.
Aliás o que me irrita é que tudo tem de ser “do modo certo”, imposição muito limitadora.
Abro bem os olhos, e não adianta: apenas vejo. Mas o segredo, este não vejo nem sinto. A eletrola está quebrada e não viver com música é trair a condição humana que é cercada de música. Aliás, música é uma abstração do pensamento.
Fiz do meu prazer e da minha dor o meu destino disfarçado. E ter apenas a própria vida é [...] um sacrifício. Como aqueles que, no convento, varrem o chão e lavam a roupa, servindo sem a glória de função maior, meu trabalho é o de viver os meus prazeres e as minhas dores. É necessário que eu tenha a modéstia de viver.
Vivo sem explicação possível. Eu que não tenho sinônimo.
Ele precisava dela com fome para não esquecer que eram feitos da mesma carne.