Versos de Clarice Lispector
Agora eu conheço esse grande susto de estar viva, tendo como único amparo exatamente o desamparo de estar viva. De estar viva – senti – terei que fazer o meu motivo e tema. Com delicada curiosidade, atenta à fome e à própria atenção, passei então a comer delicadamente viva os pedaços de pão.
Você não sabe que revelação foi para mim ter um cão, ver e sentir a matéria de que é feito um cão. É a coisa mais doce que eu já vi, o cão é de uma paciência para com a natureza impotente dele e para com a natureza incompreensível dos outros... E com os pequenos meios que ele tem, com uma burrice cheia de doçura, ele arranja modo de compreender a gente de um modo direto. Sobretudo Dilermando era uma coisa minha que eu não tinha que repartir com ninguém.
Eu bem que me controlo, mas sou tão sensível.
E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos escorridos são de um náufrago. Porque sabe – sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.
E não caminharei "de pensamento a pensamento", mas de atitude a atitude.
O que é que se consegue quando se fica feliz?
Escrevo para me livrar da carga difícil de uma pessoa ser ela mesma.
Mas vale a pena. Mesmo que doa.
(...) sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.
Minha coragem foi a de um sonâmbulo que simplesmente vai.
Gostaria mesmo que você me visse e assistisse a minha vida sem eu saber. (...) Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma.
Ele, a quem eu nada podia dar senão minha sinceridade, ele passou a ser uma acusação de minha pobreza.
E quando notou que aceitava em pleno o amor, sua alegria foi tão grande que o coração lhe batia por todo o corpo, parecia-lhe que mil corações batiam-lhe nas profundezas de sua pessoa.
É por isso que na graça eu me mantive sentada, quieta, silenciosa. E como em uma anunciação. Não sendo porém precedida por anjos. Mas é como se o anjo da vida viesse me anunciar o mundo.
Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão. O que estou sentindo agora é uma alegria. (...) Ser vivo é um estágio muito alto, é alguma coisa que só agora alcancei. É um tal alto equilíbrio instável que sei que não vou poder ficar sabendo desse equilíbrio por muito tempo – a graça da paixão é curta.
Eu tenho medo do ótimo e do superlativo. Quando começa a ficar muito bom eu ou desconfio ou dou um passo para trás.
O que os outros recebem de mim reflete-se então de volta para mim, e forma a atmosfera do que se chama: eu.
Minha tendência a indagar e a significar já é em si uma angústia.
Parece-me que eu vagamente sentia que, enquanto sofresse fisicamente de um modo tão insuportável, isso seria a prova de estar vivendo ao máximo.
Entregar-se a pensar é uma grande emoção, e só se tem coragem de pensar na frente de outrem quando a confiança é grande a ponto de não haver constrangimento em usar, se necessário, a palavra outrem.