Versos de Clarice Lispector
Faltava-lhe o jeito de se ajeitar. Só vagamente tomava conhecimento da espécie de ausência que tinha de si em si mesma.
A respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.
Porque a melhor frase, sempre ainda a mais jovem, era: a bondade me dá ânsias de vomitar. A bondade era morna e leve, cheirava a carne crua guardada há muito tempo. Sem apodrecer inteiramente apesar de tudo. Refrescavam-na de quando em quando, botavam um pouco de tempero, o suficiente para conservá-la um pedaço de carne morna e quieta.
Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade.
(...) sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.
O que é que se consegue quando se fica feliz?
Mas vale a pena. Mesmo que doa.
Gostaria mesmo que você me visse e assistisse a minha vida sem eu saber. (...) Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma.
Mas a nostalgia do presente. O aprendizado da paciência, o juramento da espera. Do qual talvez não soubesse jamais se livrar.
Eu bem que me controlo, mas sou tão sensível.
Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais.
Está faltando o sonho no que eu escrevo. Como viver é secreto! Meu segredo é a vida. Eu não conto a ninguém que estou viva.
Comecei a mentir por precaução, e ninguém me avisou do perigo de ser tão precavida; porque depois nunca mais a mentira descolou de mim. E tanto menti que comecei a mentir até a minha própria mentira. E isso – já atordoada eu sentia – isso era dizer a verdade. Até que decaí tanto que a mentira eu a dizia crua, simples, curta: eu dizia a verdade bruta.
E naquele momento evitava precisamente a solidão que seria uma bebida forte demais.
Agora eu conheço esse grande susto de estar viva, tendo como único amparo exatamente o desamparo de estar viva. De estar viva – senti – terei que fazer o meu motivo e tema. Com delicada curiosidade, atenta à fome e à própria atenção, passei então a comer delicadamente viva os pedaços de pão.
Minha coragem foi a de um sonâmbulo que simplesmente vai.
E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos escorridos são de um náufrago. Porque sabe – sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.
E não caminharei "de pensamento a pensamento", mas de atitude a atitude.