Versos de Clarice Lispector

Redondo sem início e sem fim, eu sou o ponto antes do zero e do ponto final.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

As pessoas que se comprazem no sofrimento, que gostam de sentir-se infelizes e fazer os outros infelizes, jamais poderão orgulhar-se de sua beleza. O mau humor, o sentimento de frustração, a amargura marcam a fisionomia, apagam o brilho dos olhos, cavam sulcos na face mais jovem, enfeiam qualquer rosto. Essa é a razão por que a mulher, que cultiva a beleza, deve esforçar-se para ser feliz. Felicidade é estado de alma, é atmosfera interior, não depende de fatos ou circunstâncias externas.

Clarice Lispector
Correio para mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

Quero a vibração do alegre. Quero a isenção de Mozart. Mas quero também a inconsequência. Liberdade? é meu último refúgio, forcei-me à liberdade e aguento-a não como um dom mas com heroísmo: sou heroicamente livre.

Com exceção de uns poucos, todos têm medo de mim como se eu mordesse.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

E eis que de repente agora mesmo vi que não sou pura.

Clarice Lispector
Todas as crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

Nota: Trecho da crônica O vestido branco.

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Quanto ao futuro, temia-o demasiado porque conhecia bem seus próprios limites. E porque, apesar de conhecê-los, não se resignara a abandonar aquela ambição enorme, indefinida, que, depois já inumana, dirigia-se para além das coisas da terra. Falhando na realização do que se lhe apresentava aos olhos, voltara-se para o que ninguém, adivinhava-o, poderia realizar.

Clarice Lispector
A bela e a fera. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho do conto Obsessão.

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Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Olhava longe, sem rancor.

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Se tudo isso existe, então sou eu. mas por que esse mal-estar? É porque não estou vivendo do único medo que se existe para cada um de se viver e nem sei qual é. Desconfortável. Não me sinto bem. Não sei o que é que há. Mas alguma coisa está errada e dá mal-estar. No entanto estou sendo franca e meu jogo é limpo. Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza. O que há então? Só sei que não quero a impostura. Recuso-me. Eu me aprofundei mas não acredito em mim porque meu pensamento é inventado.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Recuso-me a ser um fato consumado. Por enquanto sobrenado na preguiça.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Conversa descontraída: 1972.

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Redondo sem início e sem fim, eu sou o ponto antes do zero e do ponto final. Do zero ao infinito vou caminhando sem parar.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

E do silêncio tem vindo o que é mais precioso que tudo: o próprio silêncio.

Clarice Lispector
Todas as crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

Nota: Trecho da crônica Anonimato.

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Não é confortável o que te escrevo. Não faço confidências. Antes me metalizo. E não te sou e me sou confortável.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Tudo acaba, mas o que te escrevo continua. (...) O melhor está nas entrelinhas.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Apenas isso: chove e estou vendo a chuva. Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo. A chuva cai não porque está precisando de mim, e eu olho a chuva não porque preciso dela. Mas nós estamos tão juntas como a água da chuva está ligada à chuva. E eu não estou agradecendo nada. Não tivesse eu, logo depois de nascer, tomado involuntária e forçadamente o caminho que tomei – e teria sido sempre o que realmente estou sendo: uma camponesa que está num campo onde chove.

Clarice Lispector
Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Ficar sem fazer nada é a nudez final.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Trechos.

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Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Deus.

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Porque eu sozinho não consigo: a solidão, a mesma que existe em cada um, me faz inventar.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força – eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Pertencer.

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Suponho que este tipo de sensibilidade, uma que não só se comove como por assim dizer pensa sem ser com a cabeça, suponho que seja um dom.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Sensibilidade inteligente.

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Passo o tempo todo pensando – não raciocinando, não meditando mas pensando, pensando sem parar. E aprendendo, não sei o quê, mas aprendendo.

Clarice Lispector
Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.

Nota: Trecho de carta para Fernando Sabino, escrita em 5 de outubro de 1953.

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