Versos de Clarice Lispector
– O que é que se consegue quando se fica feliz?, sua voz era uma seta clara e fina.
A professora olhou para Joana. – Repita a pergunta...?
Silêncio. A professora sorriu arrumando os livros.
– Pergunte de novo, Joana, eu é que não ouvi.
– Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois? – repetiu a
menina com obstinação.
A mulher encarava-a surpresa.
– Que ideia! Acho que não sei o que você quer dizer, que ideia! Faça a mesma
pergunta com outras palavras...
– Ser feliz é para se conseguir o quê?
Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão.
Oh, pelo menos no começo, só no começo. Logo que puder dispensá-la, irei sozinha. Por enquanto preciso segurar esta tua mão – mesmo que não consiga inventar teu rosto e teus olhos e tua boca.
Silêncio.
Se um dia Deus vier à terra, haverá um silêncio grande.
O silêncio é tal que nem o pensamento pensa.
Há um tipo de choro bom e há outro ruim. O ruim é aquele em que as lágrimas correm sem parar e, no entanto, não dão alívio. Só esgotam e exaurem. Uma amiga perguntou-me, então, se não seria esse choro como o de uma criança com a angústia da fome. Era. Quando se está perto desse tipo de choro, é melhor procurar conter-se: não vai adiantar. É melhor tentar fazer-se de forte, e enfrentar. É difícil, mas ainda menos do que ir-se tornando exangue a ponto de empalidecer.
Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza legítima à qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, límpido, produto de nossa dor mais profunda. Homem chorar comove. Ele, o lutador, reconheceu sua luta às vezes inútil. Respeito muito o homem que chora. Eu já vi homem chorar.
Sou fraca diante da beleza do que existe e do que vai existir.
Estou tentando te dizer de como cheguei ao neutro e ao inexpressivo de mim. Não sei se estou entendendo o que falo, estou sentindo – e receio muito o sentir, pois sentir é apenas um dos estilos de ser.
O tédio é de uma felicidade primária demais! E é por isso que me é intolerável o paraíso.
E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério. Sou uma só. (...) Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena. Mesmo que doa. Dói só no começo.
Os fatos são sonoros mas entre os fatos há um sussurro. É o sussurro que me impressiona.
Não há dúvida: pensar me irrita, pois antes de começar a tentar pensar eu sabia muito bem o que eu sabia.
A vida é igual em toda a parte e o que é necessário é a gente ser a gente.
Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia.
Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. Quantas mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento. Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos.
O pior de mentir é que cria falsa verdade. (Não, não é tão óbvio como parece, não é truísmo; sei que estou dizendo uma coisa e que apenas não sei dizê-la do modo certo, aliás o que me irrita é que tudo tem de ser “do modo certo”, imposição muito limitadora.) O que é mesmo que eu estava tentando pensar? Talvez isso: se a mentira fosse apenas a negação da verdade, então este seria um dos modos (negativos) de dizer a verdade. Mas a mentira pior é a mentira “criadora”. (Não há dúvida: pensar me irrita, pois antes de começar a tentar pensar eu sabia muito bem o que eu sabia.)
O futuro é meu enquanto eu viver.
Alguns, bem sei, já até me disseram, me acham perigosa, Mas também sou inocente. (...) Sei, e talvez só eu e alguns saibam, que se tenho perigo tenho também uma pureza. E ela só é perigosa para quem tem perigo dentro de si. (...) Às vezes a raiz do que é ruim é uma pureza que não pôde ser.
Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente.
Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser – se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.
E eu impávida finjo que não tenho dono. Pontas de cigarro apagadas eu recebo. Um dia vou pegar fogo.
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