Versos de Clarice Lispector
Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente.
Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser – se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.
E eu impávida finjo que não tenho dono. Pontas de cigarro apagadas eu recebo. Um dia vou pegar fogo.
Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece.
Preciso aprender a não precisar de ninguém.
Eu escrevo para nada e para ninguém. Se alguém me ler será por conta própria e autorrisco. Eu não faço literatura: eu apenas vivo ao correr do tempo. O resultado fatal de eu viver é o ato de escrever.
No mais fino e doído de seu sentimento ela pensava: vou ser feliz.
Claro que se o dinheiro falta, se a saúde vacila, se o amor arma alguma cilada, seu desejo de rir será pouco. Mas combata a depressão. Cultive o bom humor, como quem cultiva um bom hábito. Esforce-se para ser alegre. Afaste os sentimentos mesquinhos que provocam o despeito, a inveja, o sentimento de fracasso, que são origem de infelicidade. Adote uma filosofia otimista, eduque-se para ser feliz.(…) Seja feliz, se quer ser bonita!
Cada pessoa é um mundo, cada pessoa tem sua própria chave e a dos outros nada resolve.
Na hora do acontecimento não aproveito nada. E depois vem uma ilógica saudade.
Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri.
"Escrever" existe por si mesmo? Não. É apenas o reflexo de uma coisa que pergunta. Eu trabalho com o inesperado. Escrevo como escrevo sem saber como e por quê – é por fatalidade de voz. O meu timbre sou eu. Escrever é uma indagação. É assim: ?
Cada novo livro é uma viagem. Só que é uma viagem de olhos vendados em mares nunca dantes revelados – a mordaça nos olhos, o terror da escuridão é total. Quando sinto uma inspiração, morro de medo porque sei que de novo vou viajar e sozinho num mundo que me repele.
A garantia única é que eu nasci. Tu és uma forma de ser eu, e eu uma forma de te ser: eis os limites de minha possibilidade.
Jardins e jardins entremeados de acordes musicais. Iridescência ensanguentada. Vejo meu rosto através da chuva. Rebuliço estrídulo do vento agudo que varre a casa como se esta estivesse oca de móveis e de pessoas. Está chovendo. Sinto a boa chuvarada de verão. Tenho uma cabana também – às vezes não ficarei no palácio, mergulharei na cabana. Sentindo o cheiro do mato. E fruindo da solidão.
Escrevo neste instante com algum prévio pudor por vos estar invadindo com tal narrativa tão exterior e explícita. De onde no entanto até sangue arfante de tão vivo de vida poderá quem sabe escorrer e logo se coagular em cubos de geleia trêmula. Será essa história um dia o meu coágulo? Que sei eu. Se há veracidade nela – e é claro que a história é verdadeira embora inventada – que cada um a reconheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial.
É que, quando amávamos, eu não sabia que o amor estava acontecendo muito mais exatamente quando não havia o que chamávamos de amor. O neutro do amor, era isso o que nós vivíamos e desprezávamos.
Ela passaria a noite a rezar, a olhar para o céu escuro, a velar por alguém.
Ser um ser permissível a si mesmo é a glória de existir.
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