Versos de Clarice Lispector
Quando de noite ele me chamar para a atração do inferno, irei. Desço como um gato pelos telhados. Ninguém sabe, ninguém vê. Só os cães ladram pressentindo o sobrenatural.
Pois há um tempo de rosas, outro de melões, e não comereis morangos senão na época de morangos.
Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia.
Sou uma só. (...) Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena. Mesmo que doa. Dói só no começo
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos.
Como é bom o instante de precisar que antecede o instante de se ter.
Não acusar-me. Buscar a base do egoísmo: tudo o que não sou não pode me interessar, há impossibilidade de ser além do que se é – no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio, sou mais do que eu quase normalmente –; tenho um corpo e tudo o que eu fizer é continuação de meu começo; se a civilização dos Maias não me interessa é porque nada tenho dentro de mim que se possa unir aos seus baixos-relevos; aceito tudo o que vem de mim porque não tenho conhecimento das causas e é possível que esteja pisando no vital sem saber; é essa a minha maior humildade, adivinhava ela.
Andar na escuridão completa à procura de nós mesmos é o que fazemos.
E todos os dias ficarei tão alegre que incomodarei os outros.
E eu não aguento a resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a revolta.
Nota: Trecho da crônica As crianças chatas.
...MaisO verão está instalado no meu coração.
O grande vazio em mim será o meu lugar de existir; minha pobreza extrema será uma grande vontade. Tenho que me violentar até não ter nada, e precisar de tudo; quando eu precisar, então eu terei, porque sei que é de justiça dar mais a quem pede mais, minha exigência é o meu tamanho, meu vazio é a minha medida.
O maior obstáculo para eu ir adiante: eu mesma. Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho. É com enorme esforço que consigo me sobrepor a mim mesma.
Cada um tem o anjo que merece.
Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão.
Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere. Sou uma paisagem cinzenta e azul. Elevo-me na fonte seca e na luz fria.
É preciso antes saber, depois esquecer. Só então se começa a respirar livremente.