Versos de Clarice Lispector
O maior obstáculo para eu ir adiante: eu mesma. Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho. É com enorme esforço que consigo me sobrepor a mim mesma.
É preciso antes saber, depois esquecer. Só então se começa a respirar livremente.
O pequeno êxtase da palavra fluir junto do pensamento e do sentimento: nessa hora como é bom ser uma pessoa! (...) Eu me encontro nos outros. Tudo o que dá certo é normal. O estranho é a luta que se é obrigado a travar para obter o que simplesmente seria o normal.
O grande vazio em mim será o meu lugar de existir; minha pobreza extrema será uma grande vontade. Tenho que me violentar até não ter nada, e precisar de tudo; quando eu precisar, então eu terei, porque sei que é de justiça dar mais a quem pede mais, minha exigência é o meu tamanho, meu vazio é a minha medida.
Cada um tem o anjo que merece.
Quem sabe, até, eu era só aprendiz de anjo.
Não ter forças para lutar era o meu único perdão.
É necessário certo grau de cegueira para poder enxergar determinadas coisas.
Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere. Sou uma paisagem cinzenta e azul. Elevo-me na fonte seca e na luz fria.
Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em ralação a outras coisas importantes. Continuo aliás atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.
Minhas ideias são inventadas. Eu não me responsabilizo por elas.
A fé – é saber que se pode ir e comer o milagre. A fome, esta é que é em si mesma a fé – e ter necessidade é a minha garantia de que sempre me será dado. A necessidade é o meu guia.
Preciso ser livre - não aguento a escravidão do amor grande, o amor não me prende tanto.
E o que não posso e não quero exprimir fica sendo o mais secreto dos meus segredos.
Refugio-me nas rosas, nas palavras. Pobre consolação. Estou inflacionada. Não valho nada.
Nada a retinha, nem o medo. Mas mesmo que agora se aproximasse a morte, mesmo a vileza, a esperança ou de novo a dor. Parara simplesmente. Estavam cortadas as veias que a ligavam às coisas vividas, reunidas num só bloco longínquo, exigindo uma continuação lógica, mas velhas, mortas. Só ela própria sobrevivera, ainda respirando. E à sua frente um novo campo, ainda sem cor a madrugada emergindo. Atravessar suas brumas para enxergá-lo. Não poderia recuar, não sabia por que recuar.
Uma história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar.