Versos de Clarice Lispector
Mas eu sou uma chata que parece viver com medo de dizer as coisas claramente.
Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respirar nossas fraquezas.
Tenho visto pessoas demais, falado demais, dito mentiras, tenho sido muito gentil.
E ninguém é eu. Ninguém é você. Esta é a solidão.
Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi -na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro.
Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões.
Você há de me perguntar por que tomo conta do mundo. É que nasci incumbida.
Como um gato de dorso arrepiado, arrepio-me diante de mim.
Eu também não sei não pensar. Acontece sem esforço. Só é difícil quando procuro obter essa escuridão silenciosa. Quando estou distraído, caio na sombra e no oco e no doce macio nada-de-mim.
Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.
O tempo não existe. O que chamamos de tempo é o movimento de evolução das coisas, mas o tempo em si não existe. Ou existe imutável e nele nos transladamos.
Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade.
Estou aqui de vez em quando muito delicada, me interessam principalmente flores e passarinhos.
Somente uma coisa me faria bem agora. Seria adormecer com a cabeça no seu colo, você me dizendo bobagenzinhas gostosas pra eu esquecer a ruindade do mundo.
Não me posso resumir porque não se pode somar uma cadeira e duas maçãs. Eu sou uma cadeira e duas maçãs. E não me somo.
Eu não sou uma sonhadora. Só devaneio para alcançar a realidade.
Sua sensibilidade incomodava sem ser dolorosa, como uma unha quebradiça.
Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado.