Velhice
O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo.
Preciso de um pouco mais de vitalidade. Tenho tido uma sensação de velhice, de desânimo e, principalmente, de desamor.
Prefiro um amor lento no início para ensaiar a velhice do que um amor rápido para treinar sua morte.
Toda saudade é uma espécie de velhice. É por isso que os olhos dos velhos vão se enchendo de ausências.
Nota: A primeira frase pertence a Guimarães Rosa, presente na obra "Grande Sertão: Veredas". Rubem Alves credita a frase ao personagem Riobaldo.
...MaisVisto da juventude, a vida é um longo futuro; a partir da velhice, parece um curto passado. Quando partimos num navio, as coisas na praia vão diminuindo e ficando mais difíceis de distinguir; o mesmo ocorre com todos os fatos e atividades de nosso passado.
O intervalo de tempo entre a juventude e a velhice é mais breve do que se imagina. Quem não tem prazer de penetrar no mundo dos idosos não é digno da sua juventude...
Vive cada dia para que tua velhice venha a ser a coroação de tua juventude. A velhice de uma pessoa sábia, feliz e realizada, que viveu tudo o que podia, é como a melhor das primaveras!
TEU CORPO
O teu corpo muda
Independente de ti
não te pergunta
se deve engordar.
É um ser estranho
que tem o teu rosto
ri em teu riso
e goza com teu sexo.
Lhe dás de comer
e ele fica quieto.
Penteias-lhe os cabelos
como se fossem teus.
Num relance, achas
que apenas estás
nesse corpo.
Mas como, se nele
nasceste e sem ele
não és?
Ao que tudo indica
tu és esse corpo
-que a cada dia
mais difere de ti.
E até já tens medo
De olhar no espelho:
Lento como nuvem
o rosto que eras
vai virando outro.
E a erupção no queixo?
Vai sumir? Alastrar-se
feito impingem, câncer?
Poderás detê-la
com Dermobenzol?
Ou terás que chamar
o corpo de bombeiros?
Tocas o joelho:
Tu és esse osso.
Olhas a mão.
A forma sentada
de bruços na mesa
és tu.
Mas quem morre?
Quem diz ao teu corpo – morre –
quem diz a ele – envelhece –
se não o desejas,
se queres continuar vivo e jovem
por infinitas manhãs?
Assim como os picos cobertos de neve são bonitos, os cabelos brancos da velhice também tem sua beleza. Não apenas beleza, mas sabedoria também, de que nenhum jovem pode se vangloriar.
Há cinco coisas neste mundo que ninguém pode realizar: primeira, evitar a velhice, quando se está envelhecendo; segunda, evitar a doença, quando o corpo é predisposto à enfermidade; terceira, não morrer quando o corpo deve morrer; quarta, negar a dissolução, quando, de fato, há a dissolução do corpo; quinta, negar a extinção, quando tudo deve extinguir-se.
A velhice nos proporciona repouso, livrando-nos de todas as paixões. Quando os desejos diminuem, a asserção de Sóflocles revela toda justeza. É como se nos libertássemos de inúmeros e enfurecidos senhores.
(A República)