Trechos pequenos de Fernando Pessoa

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A vida dói mas é bela e misteriosa!!!

A pálida luz da manhã de Inverno,

A pálida luz da manhã de Inverno,
O cais e a razão
Não dão mais esperança, nem uma esperança sequer,
Ao meu coração.
O que tem que ser
Será, quer eu queira que seja ou que não.
No rumor do cais, no bulício do rio
Na rua a acordar
Não há mais sossego, nem um vazio sequer,
Para o meu esperar.
O que tem que não ser
Algures será, se o pensei; tudo mais é sonhar.

Fernando Pessoa
Livro Poesias Inéditas (1919-1930)

Lançou-me em pesar profundo
Lançou-me a mágoa seu véu:
Menos um ser n'este mundo
E mais um anjo no céu.

No teatro da vida quem tem o papel de sinceridade é quem, geralmente, mais bem vai no seu papel.

"Eu não tenho rancores nem ódios. Esses sentimentos pertencem àqueles que têm uma opinião, ou uma profissão, ou um objetivo na vida".
(In Instabilidade - Extraído de "Fernando Pessoa - O livro das citações" - Organizado por José Paulo Cavalcanti Filho - Rio de Janeiro, Record, 2013)

sonho


O sonho é ver formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esperança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade.

Cada um de nós é um grão de pó que o vento da vida levanta, e depois deixa cair.

Fernando Pessoa

Nota: Trecho do "Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa (heterônimo Bernardo Soares).

Digo-vos: praticai o bem. Porquê? O que ganhais com isso? Nada, não ganhais nada. Nem dinheiro, nem amor, nem respeito, nem talvez paz de espírito. Talvez não ganheis nada disso. Então por que vos digo: Praticai o bem? Porque não ganhais nada com isso. Vale a pena praticá-lo por isto mesmo.”

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?

Tudo o que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica
E eu sou um mar de sargaço –

Um mar onde bóiam lentos
Fragmentos de um mar de além...
Vontades ou pensamentos?
Não o sei e sei-o bem

Para onde vai a minha vida, e quem a leva?
Por que faço eu sempre o que não queria?
Que destino contínuo se passa em mim na treva?
Que parte de mim, que eu desconheço, é que me guia?

O meu destino tem um sentido e tem um jeito,
A minha vida segue uma rota e uma escala
Mas o consciente de mim é o esboço imperfeito
Daquilo que faço e sou: não me iguala

Não me compreendo nem no que, compreeendendo, faço.
Não atinjo o fim ao que faço pensando num fim.
É diferente do que é o prazer ou a dor que abraço.
Passo, mas comigo não passa um eu que há em mim.

Quem sou, senhor, na tua treva e no teu fumo?
Além da minha alma, que outra alma há na minha?
Por que me destes o sentimento de um rumo,
Se o rumo que busco não busco, se em mim nada caminha

Senão com um uso não meu dos meus passos, senão
Com um destino escondido de mim nos meus atos?
Para que sou consciente se a consciência é uma ilusão?
Que sou entre quê e os fatos?

Fechai-me os olhos, toldai-me a vista da alma!
Ó ilusões! Se eu nada sei de mim e da vida,
Ao menos eu goze esse nada, sem fé, mas com calma,
Ao menos durma viver, como uma praia esquecida…"

Fernando Pessoa

A chuva desce a ladeira

A água da chuva desce a ladeira.
É uma água ansiosa.
Faz lagos e rios pequenos, e cheira
A terra a ditosa.

Há muitos que contam a dor e o pranto
De o amor os não qu'rer...
Mas eu, que também não os tenho, o que canto
É outra coisa qualquer.

Abdicação

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa — eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.

Minha Vida é Feita de tristezas felicidades e ao mesmo tempo amor

Amo por que te amo e sei que por amor te amo

o sino da minha aldeia

O sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

“Estou começando a me convencer que não existo. Eu sou o espaço entre o que eu gostaria de ser e o que os outros fizeram de mim. Apenas deixe-me estar à vontade e sozinho no meu quarto.”

Tens um livro que não lês,
Tens uma flor que desfolhas;
Tens um coração aos pés
E para ele não olhas.

No teatro da vida quem tem o papel de sinceridade é quem, geralmente, mais bem vai no seu papel.

Fernando Pessoa
Aforismos e afins. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de ação. Em melhores e mais diretas palavras, o sonhador é que é o homem de ação.