Trechos Clarice Lispector

Cerca de 1893 frases e pensamentos: Trechos Clarice Lispector

Quem vive sabe, mesmo sem saber que sabe.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

A comunicação muda

O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros. Às vezes, quando duas pessoas estão juntas, apesar de falarem, o que elas comunicam silenciosamente uma à outra é o sentimento de solidão.

Clarice Lispector
Crônicas para jovens: de amor e amizade. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma bênção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco.
Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Crônica Não entender.

...Mais

Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica O milagre das folhas.

...Mais

Para cada um de nós e – em algum momento perdido na vida – anuncia-se uma missão a cumprir? Recuso-me porém a qualquer missão. Não cumpro nada: apenas vivo.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece (...). E morre-se, sem ao menos uma explicação. E o pior – vive-se, sem ao menos uma explicação (...). E ter a obrigação de ser o que se chama de apresentável me irrita. Por que não posso andar em trapos (...)?

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trechos da crônica Dies irae.

...Mais

É. Eu me acostumo mas não amanso. Por Deus! eu me dou melhor com os bichos do que com gente. (...) E quando acaricio a cabeça do meu cão – sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Acho que loucura é perfeição. É como enxergar. Ver é a pura loucura do corpo.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

O que a nossa imaginação cria se parece com o processo que Deus tem de criar.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Essa noite – de ventania – sonhei um sonho tão gratificante. Era um menino de 14 anos e uma menina de 13 que corriam um atrás do outro, se escondendo atrás de árvores, e às gargalhadas, brincando. E eis que de repente eles param e mudos, graves, espantados se olham nos olhos: é que eles sabiam que um dia iriam amar.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

⁠A mágoa

Os telhados sujos a sobrevoar
Arrastas no vôo a asa partida
Acima da igreja as ondas do sino
Te rejeitam ofegante na areia
O abraço não podes mais suportar
Amor estreita asa doente
Sais gritando pelos ares em horror
Sangue escoa pelos chaminés.
Foge foge para o espanto da solidão
Pousa na rocha
Estende o ser ferido que em teu corpo se aninhou,
Tua asa mais inocente foi atingida
Mas a Cidade te fascina.
Insiste lúgubre em brancura
Carregando o que se tornou mais precioso.
Voas sobre os tetos em ronda de urubu
Asa pesa pálida na noite descida
Em pálido pavor
Sobrevoas persistente a Cidade Fortificada escurecida
Capela ponte cemitério loja fechada
Parque morto floresta adormecida,
Folha de jornal voa em rua esquecida.
Que silêncio na torre quadrada.
Espreitas a fortaleza inalcançada.
Não desças
Não finjas que não dói mais
Inútil negar asa partida.
Arcanjo abatido, não tens onde pousar.
Foge, assombro, inda é tempo,
Desdobra em esforço a sua medida
Mergulha tua asa no ar.

Clarice Lispector
Diário de São Paulo, 5 jan. 1947. In: Moser, Benjamin. A Newly Discovered Poem By Clarice Lispector. Revista de Literatura Brasileira, n. 36, p. 37-46, ano 20, 2007.

Nota: Esse é um dos dois únicos poemas que foram publicados em vida por Clarice Lispector. Esse poema também tem uma versão em prosa publicado em “A descoberta do mundo” com o título A mágoa mortal. O outro poema publicado em vida pela autora é Descobri o meu país.

...Mais

⁠Ela era antes uma mulher que procurava um modo, uma forma. E agora tinha o que na verdade era tão mais perfeito: era a grande liberdade de não ter modos nem formas.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

⁠Talvez a divindade das mulheres não fosse específica, estivesse apenas no fato de existirem. Sim, sim, aí estava a verdade: elas existiam mais do que os outros, eram o símbolo da coisa na própria coisa.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

⁠A mulher era o mistério em si mesmo.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

⁠As jovens mulheres saberão, então, que delas se espera o cumprimento do grave dever de ser feliz.

Clarice Lispector
Outros escritos. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Quanto ao meu meio sucesso me perturbar, às vezes ele me deixa saciada e cansada. Às vezes, embora possa parecer falso, me desanima, não sei por quê.

Clarice Lispector
Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.

Nota: Trecho de carta para Lúcio Cardoso, escrita em março de 1944.

...Mais

Eu espero nunca exigir de mim nenhuma atitude. Isso me cansaria.

Clarice Lispector
Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.

Nota: Trecho de carta para Elisa Lispector e Tania Kaufmann, escrita em 19 de agosto de 1944.

...Mais

[Um amigo é] uma pessoa que me veja como eu sou. Que não me mistifique. Que me trate de igual para igual. Que me permita ser humilde.

Clarice Lispector
Gotlib, Nádia B. Clarice: uma vida que se conta. São Paulo: Ática, 1995.

Nota: Trecho de entrevista com Ziraldo, em 1974.

...Mais

Escrever é um dos modos de fracassar.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica A entrevista alegre.

...Mais

Sim. Uma mulher maravilhosa e solitária. Lutando sobretudo contra o próprio preconceito que a aconselhava a ser menos do que era, que a mandava dobrar-se.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Tanto esforço.

...Mais