Trechos Clarice Lispector
"Não caio na tolice de ser sincera" - Clarice Lispector
Haaa Clarice, quisera eu não ser tão tola
Dizem por aí que a verdade é relativa
A minha é grosseria, presunção e, às vezes, acham que é mentira
Pensando bem, realmente tudo é relativo
Uma mentira altruísta é boa
Seria melhor uma verdade avassaladora?
Te dou a felicidade da mentira?
Ou a dor da verdade?
E fazendo isso, o que eu me dou?
A mentira é penosa para mim
Já a verdade trás leveza
Algumas doem de modo doce
Como um descuido ao tomar uma xícara de café
Quando está muito quente
Perde o paladar por alguns minutos
Mas não deixo de tomar o doce café amargo
– Em que medida o trabalho de Clarice Lispector no caso específico de Mineirinho pode alterar a ordem das coisas?
– Não altera em nada. Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa.
– Então por que continuar escrevendo, Clarice?
– E eu sei? Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas, está querendo desabrochar de um modo ou de outro, né?
E também porque uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. (...) A uma coisa bonita faltava o gesto de dar. Nunca se devia ficar com uma coisa bonita, assim, como que guardada dentro do silêncio perfeito do coração.
É tão difícil falar, é tão difícil dizer coisas que não podem ser ditas, é tão silencioso.
O mundo parece chato mas eu sei que não é. Sabe por que parece chato? Porque, sempre que a gente olha, o céu está em cima, nunca está embaixo, nunca está de lado. E sei que o mundo é redondo porque disseram, mas só ia parecer redondo se a gente olhasse e às vezes o céu estivesse lá embaixo.
Cada vez mais acho tudo uma questão de paciência, de amor criando paciência, de paciência criando amor.
Eu fingi por orgulho que não doía, eu pensava que fingir força era o caminho nobre de um homem e o caminho da própria força. Eu pensava que a força é o material de que o mundo é feito, e era com o mesmo material que eu iria a ele.
A prece profunda não é aquela que pede, a prece mais profunda é a que não pede mais.
Hoje, de repente, como num verdadeiro achado, minha tolerância para com os outros sobrou um pouco para mim também (por quanto tempo?). Aproveitei a crista da onda, para me pôr em dia com o perdão.
E o que é que eu faço? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda, que já está começando a me doer como uma angústia, como um grande silêncio de espaços? A quem dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta.
E com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais.
Existir é tão completamente fora do comum que se a consciência de existir demorasse mais de alguns segundos, nós enlouqueceríamos. A solução para esse absurdo que se chama "eu existo", a solução é amar um outro ser que, este, nós compreendemos que exista.
Não posso escrever enquanto estou ansiosa ou espero soluções porque em tais períodos faço tudo para que as horas passem; e escrever é prolongar o tempo, é dividi-lo em partículas de segundos, dando a cada uma delas uma vida insubstituível.
Mas se eu esperar compreender para aceitar as coisas – nunca o ato de entrega se fará. Tenho que dar o mergulho de uma só vez, mergulho que abrange a compreensão e sobretudo a incompreensão. E quem sou eu para ousar pensar? Devo é entregar-me. Como se faz? Sei porém que só andando que se sabe andar e – milagre – se anda.
Eu, que fabrico o futuro como uma aranha diligente. E o melhor de mim é quando nada sei e fabrico não sei o quê.
Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém
despeja um balde de água no terraço: sábado ao vento é a rosa da semana. Sábado de manhã é
quintal, uma abelha esvoaça, e o vento (...)
No meio do meu silêncio e do silêncio da rosa, havia o meu desejo de possuí-la como uma coisa só minha. Eu queria poder pegar nela. Queria cheirá-la até sentir a vista escura de tanta tonteira de perfume. (...) Até chegar à rosa foi um século de coração batendo. (...)
O que é que fazia eu com a rosa? Fazia isso: ela era minha.
Por que publicar o que não presta? Porque o que presta também não presta. Além do mais, o que não presta sempre me interessou muito. Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão.
Piedade é a minha forma de amor. De ódio e de comunicação. É o que me sustenta contra o mundo, assim como alguém vive pelo desejo, outro pelo medo.
– Que é que eu faço? Não estou aguentando viver. A vida é tão curta, e eu não estou
aguentando viver.
– Não sei. Eu sinto o mesmo. Mas há coisas, há muitas coisas. Há um ponto em que o
desespero é uma luz, e um amor.
– E depois?
– Depois vem a Natureza.
– Você está chamando a morte de natureza?
– Não. Estou chamando a natureza de Natureza.
– Será que todas as vidas foram isso?
– Acho que sim.
Há pessoas que têm vergonha de viver: são os tímidos, entre os quais me incluo. Desculpem, por exemplo, estar tomando lugar no espaço. Desculpem eu ser eu. Quero ficar só! grita a alma do tímido, que só se liberta na solidão. Contraditoriamente quer o quente aconchego das pessoas.