Trechos Clarice Lispector
E o amor, em vez de dar, exige.
Gosto de coisas complicadas.
Vou experimentar tudo o que possa, não quero me ausentar do mundo.
EU NÃO ENTENDO! Por medo da loucura, renunciei à verdade. Minhas ideias são inventadas. Eu não me responsabilizo por elas. O mais engraçado é que nunca aprendi a viver. Eu não sei nada. Só sei ir vivendo. Como o meu cachorro. Eu tenho medo do ótimo e do superlativo. Quando começa a ficar muito bom eu ou desconfio ou dou um passo para trás.
Só agora eu percebia que antes vivera dentro de um cubo.
O que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente sente e usa a palavra que o exprima.
É pouco, é muito pouco.
Tudo o que não sei é que constitui a minha verdade.
É bom. Sobretudo porque a mulher sabe que está sendo bom para ele: é depois de grandes jornadas e de grandes lutas que ele enfim compreende que precisa se ajoelhar diante da mulher. E, depois, é bom porque a cabeça do homem fica perto dos joelhos da mulher e perto de suas mãos, no seu colo, que é sua parte mais quente. E ela pode fazer o seu melhor gesto: nas mãos, que ficam a um tempo frementes e firmes, pegar aquela cabeça cansada que é fruto entre seu e dela.
A vida é mais longa do que a fazemos. Cada instante conta.
Precisava ser apenas – terra. E quanto a esta, todos a têm sob os pés. Era tão estranho sentir-se viver sobre uma coisa viva.
Meu espírito é tecido pela terra mais fina.
Será essa história um dia o meu coágulo? Que sei eu. Se há veracidade nela – e é claro que a história é verdadeira embora inventada – que cada um a reconheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial.
Vez por outra ia para a Zona Sul e ficava olhando as vitrines faiscantes de jóias e roupas acetinadas – só para se mortificar um pouco. É que ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e sofrer um pouco é um encontro.
Tania, por favor, ensine a Marcia aquela frase assim: o .......... não vale nada.
A esperança é este instante.
Achei graça na história do seu contínuo dar meu nome à filha... Que tola “heroína” eu sou! Enfim, o que vale é que é um nome normal.
Pego mais um ovo na cozinha, quebro-lhe a casca e forma. E a partir deste instante exato nunca existiu um ovo. É absolutamente indispensável que eu seja uma ocupada e uma distraída. Sou indispensavelmente um dos que renegam. Faço parte da maçonaria dos que viram uma vez o ovo e o renegam como forma de protegê-lo. Somos os que se abstêm de destruir, e nisso se consomem. Nós, agentes disfarçados e distribuídos pelas funções menos reveladoras, nós às vezes nos reconhecemos. A um certo modo de olhar, há um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e a isto chamamos de amor. E então, não é necessário o disfarce: embora não se fale, também não se mente, embora não se diga a verdade, também não é necessário dissimular. Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece, amor não é prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aqueles que, sem ele, corromperiam o ovo com a dor pessoal. Isso não faz do amor uma exceção honrosa; ele é exatamente concedido aos maus agentes, àqueles que atrapalhariam tudo se não lhes fosse permitido adivinhar vagamente.
Gastar a vida é usá-la ou não usá-la?
Pedem-me pouco, pedem-me quase nada. O terrível é que eu tenho muito para dar e tenho que engolir esse muito e ainda por cima dizer como delicadeza: obrigada por receberem de mim um pouquinho de mim.
Quando vejo num caminhão uma placa dizendo: “Inflamável” – então me encho de glória.