Trechos Clarice Lispector
Se não buscasse um deus exterior terminaria por endeusar-se, por explorar sua própria dor, amando seu passado, buscando refúgio e calor em seus próprios pensamentos, então já nascidos com uma vontade de obra de arte e depois servindo de alimento velho nos períodos estéreis. Havia o perigo de se estabelecer no sofrimento e organizar-se dentro dele, o que seria um vício também e um calmante.
Começo até a pensar que entre os loucos há os que não são loucos.
Sabia que era inútil resolver sobre o próprio destino.
– Só depois de viver mais ou melhor, conseguirei a desvalorização do humano, dizia-lhe Joana às vezes. Humano – eu. Humano – os homens individualmente separados.
Esquecê-los porque com eles minhas relações apenas podem ser sentimentais. Se eu os procuro, exijo ou dou-lhes o equivalente das velhas palavras que sempre ouvimos, "fraternidade", "justiça". Se elas tivessem um valor real, seu valor não estaria em ser cume, mas base de triângulo. Seriam a condição e não o fato em si. Porém terminam ocupando todo o espaço mental e sentimental exatamente porque são impossíveis de se realizar, são contra a natureza. São fatais, apesar de tudo, no estado de promiscuidade em que se vive. Nesse estado transforma-se o ódio em amor, que nunca passa na verdade de procura de amor, jamais obtido senão em teoria, como no cristianismo.
É preciso coragem. Uma coragem danada. Muita coragem é o que eu preciso. Sinto-me tão desamparada, preciso tanto de proteção... porque parece que sou portadora de uma coisa muito pesada.
– Pois olhe – declarou de repente uma velha fechando o jornal com decisão – pois olhe, eu só lhe digo uma coisa: Deus sabe o que faz.
Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.
O que aprendi, já esqueci, mas tenho a certeza de que de algum modo ficou em mim.
(...) estava permanentemente ocupada em querer e não querer ser o que eu era, não me decidia por qual de mim, toda eu é que não podia; ter nascido era cheio de erros a corrigir. Não, não era para irritar o professor que eu não estudava; só tinha tempo de crescer. O que eu fazia para todos os lados, com uma falta de graça que mais parecia o resultado de um erro de cálculo: as pernas não combinavam com os olhos, e a boca era emocionada enquanto as mãos se esgalhavam sujas – na minha pressa eu crescia sem saber para onde.
Trabalhar é a minha verdadeira moralidade
Ia me fazer muito bem abrir afinal meu coração e mostrar afinal a alguém que fechasse os olhos e não ouvisse, que horror pode se guardar numa pessoa. A solidão de que sempre precisei é ao mesmo tempo inteiramente insuportável.
Tem certas coisas que é melhor que a gente nunca tenha oportunidade de dizer, certas coisas que ficam fatais depois que se disse, e antes pelo menos era a vida de um modo geral.
Vou tentar explicar, mas explicar não justifica.
Tudo às vezes questão de mão recusada ou dada, tudo às vezes por causa de um passo a mais ou a menos.
Sofrimento não sofrimento como caminho só se pode falar no passado, dizendo sofrimento foi caminho, só se torna “caminho” se levou a alguma coisa.
Estava rindo, quente, quente.
Quem tem piedade de nós? Somos uns abandonados? uns entregues ao desespero? Não, tem que haver um consolo possível. Juro: tem que haver.
O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar.
Como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse sempre a novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela saída da porta dos fundos. Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.