Trechos Clarice Lispector
...sua sensibilidade incomodava sem ser dolorosa, como uma unha quebrada.
e se quisesse podia permitir-se o luxo de se tornar ainda mais sensível,
ainda podia ir mais adiante...
Sou as minhas atitudes, os meus sentimentos, as minhas ideias...
O que realmente faz valer a pena estar vivo, não há filmadora ou máquina fotográfica que registre...
Surpresas, gargalhadas, lágrimas, enfim, o que eu sinto, quem eu sou, você só vai perceber quando olhar nos meus olhos, ou melhor, além deles...
Estremeço de prazer por entre a novidade de usar palavras que formam intenso matagal. Luto por conquistar mais profundamente a minha liberdade de sensações e pensamentos, sem nenhum sentido utilitário: sou sozinha, eu e minha liberdade.
É tamanha a liberdade que pode escandalizar um primitivo, mas sei que não te escandalizas com a plenitude que consigo e que é sem fronteiras perceptíveis.
Esta minha capacidade de viver o que é redondo e amplo - cerco-me por plantas carnívoras e animais legendários, tudo banhado pela tosca e esquerda luz de um sexo mítico.
Vou adiante de modo intuitivo e sem procurar uma idéia: sou orgânica. E não me indago sobre os meus motivos. Mergulho na quase dor de uma intensa alegria – e para me enfeitar nascem entre os meus cabelos folhas e ramagens.
De qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo.
Estou cansada. Meu cansaço vem muito porque sou uma pessoa extremamente ocupada: tomo conta do mundo.
Juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
E ela cada vez maior, vacilante, túmida, gigantesca. Se conseguisse chegar mais perto de si mesma, ver-se-ia inda maior. (...) e em cada olho podia-se-lhe mergulhar dentro e nadar sem saber que era um olho.
Por seco e calmo ódio, quero isso mesmo, este silêncio feito de calor que a cigarra rude torna sensível. Sensível? Não se sente nada.
Senão esta dura falta de ópio que amenize. Quero que isto que é intolerável continue porque quero a eternidade.
Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.
É quase impossível evitar o excesso de amor que um bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.
Sinto-me derrotada pela minha própria corruptibilidade. E vejo que sou intrinsecamente má.
– A noite de hoje está me parecendo um sonho.
– Mas não é. E que a realidade é inacreditável.
O amor é vermelho. O ciúme é verde. Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros. Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.
É. Eu me acostumo mas não amanso. Por Deus! eu me dou melhor com os bichos do que com gente.
Mergulhe como eu mergulhei.
Nota: Trecho adaptado de outro pensamento da escritora.