Trechos Clarice Lispector
Juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
E ela cada vez maior, vacilante, túmida, gigantesca. Se conseguisse chegar mais perto de si mesma, ver-se-ia inda maior. (...) e em cada olho podia-se-lhe mergulhar dentro e nadar sem saber que era um olho.
Por seco e calmo ódio, quero isso mesmo, este silêncio feito de calor que a cigarra rude torna sensível. Sensível? Não se sente nada.
Senão esta dura falta de ópio que amenize. Quero que isto que é intolerável continue porque quero a eternidade.
Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.
É quase impossível evitar o excesso de amor que um bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.
Sinto-me derrotada pela minha própria corruptibilidade. E vejo que sou intrinsecamente má.
– A noite de hoje está me parecendo um sonho.
– Mas não é. E que a realidade é inacreditável.
O amor é vermelho. O ciúme é verde. Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros. Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.
É. Eu me acostumo mas não amanso. Por Deus! eu me dou melhor com os bichos do que com gente.
Mergulhe como eu mergulhei.
Nota: Trecho adaptado de outro pensamento da escritora.
Sou um mistério para mim.
Às vezes também penso que eu não sou eu, pareço pertencer a uma galáxia longínqua de tão estranho que sou de mim. Sou eu? Espanto-me com o meu encontro.
As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito.
Enquanto isso as nuvens são brancas e o céu é todo azul.
Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma ideia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. Há um perigo: se reflito demais, deixo de agir. E muitas vezes prova-se depois que eu deveria ter agido. Estou num impasse. Quero melhorar e não sei como. Sob o impacto de um impulso, já fiz bem a algumas pessoas. E, às vezes, ter sido impulsiva me machuca muito. E mais: nem sempre meus impulsos são de boa origem. Vêm, por exemplo, da cólera. Essa cólera às vezes deveria ser desprezada; outras, como me disse uma amiga a meu respeito, são cólera sagrada. Às vezes minha bondade é fraqueza, às vezes ela é benéfica a alguém ou a mim mesma. Às vezes restringir o impulso me anula e me deprime; às vezes restringi-lo dá-me uma sensação de força interna.
Que farei então? Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.
(...) faze com que eu perca o pudor de desejar que
na hora de minha morte haja uma mão humana amada
para apertar a minha (...)